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Sentidos da Reforma


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20/07/2019 10h20

Sentidos da Reforma

Por Jean Pierre Chauvin (*)


 A economia é séria e moderna; o social, perdulário e arcaico. É o que justifica priorizar o socorro a um banco ou à banca em geral, sobre as necessidades sociais”

 
(Renato Janine Ribeiro)
 
De tempos em tempos, a historiografia registra incertos termos como palavras-chave relacionadas a episódios decisivos para o curso da humanidade, ou de parte dela. Foi assim que as 95 Teses de Martinho Lutero, afixadas em portas de igreja de Wittenberg em 1517, engrossaram o coro e o movimento contra a comercialização de indulgências, então praticadas pela Igreja Católica. Elas também sugeriam que o fiel fosse o primeiro intérprete das Escrituras, retirando o poder concentrado nas mãos da extensa hierarquia reproduzida desde a Alta Idade Média, no Vaticano.
 
Neste texto, que não ultrapassa o breve comentário (ainda que pretenda estimular a reflexão ligeira), valeria a pena discutir as implicações envolvidas ao denominar o posicionamento firme de Lutero não como crítica profunda e estrutural a uma das vertentes do Cristianismo, mas como Reforma – palavra com valor mais positivo que negativo e que, no fim e ao cabo, subtrai a virulência com que o teólogo investiu contra a instituição sediada no Vaticano.
 
Isso porventura explicaria por que a reação do braço católico, documentada nas reuniões do Concílio Ecumênico de Trento, realizadas entre 1545 e 1563, foi denominada, digamos, positivamente como Contrarreforma. Reunidos em diversas sessões, os conselheiros precisaram reafirmar os fundamentos da instituição, o que lhes permitiu denominar hereges (quando não, heréticos) os praticantes de atos contrários às determinações da igreja; e heresias, as inovações que depunham contra a autoridade dos representantes legais de Deus sobre a terra – por sinal, prestes a se tornar redonda.
 
É sintomático que o subtítulo dado às decisões do Concílio tenha sido “Contra as Inovações Doutrinárias dos Protestantes”, e que seu coletivo objetivasse: “extirpar as heresias” e “reformar os costumes”. Para isso, pareceu essencial ao Conselho que, “para refrear as mentalidades petulantes” decretasse:
 
[…] que ninguém, fundado na perspicácia própria, em coisas da fé e costumes necessárias à estrutura da doutrina cristã, torcendo a seu talante a Sagrada Escritura, ouse interpretar a mesma Sagra Escritura contra aquele sentido que [sempre] mantém e manteve a Santa Madre Igreja, a que compete julgar sobre o verdadeiro sentido e interpretação das Sagradas Escrituras, ou também [ouse interpretá-la] contra o unânime consenso dos Padres.
 
A discussão ganharia nova dimensão e colorido, se levássemos em conta que a palavra Reforma admitiria usos contrários, pelo menos entre os séculos XIV e XIX. O sociólogo Raymond Williams observou que: O verbo reform (reformar) entrou na língua inglesa no S14, vindo da percursora imediata reformer, do francês antigo, e de reformare, do latim (formar novamente). Na maioria de seus primeiros usos, é muito difícil distinguir entre os dois sentidos latentes: (i) restaurar a forma original; (ii) converter em uma forma nova. […] Na luta pela representação parlamentar, reforma transformou-se em um termo radical (cf. reforma radical desde o S18) e os reformistas parlamentares, que haviam sido sutis (um termo nada bondoso), já em 1641 estavam em correspondência com os jacobinos e eram vistos como reformistas violentos (com o significado de “ardentes”) por Lady Granville, em 1830.
 
Ora, é justamente a ambiguidade do termo Reforma que permite questionar, também no plano semântico, as chamadas “Reformas” que, sazonalmente, costumam ser levadas a termo em nosso país. O leitor minimamente sério conhece vários capítulos de nossa história, tocada quase sempre sob o signo da violência – seja ela aplicada física, mental ou verbalmente.
 
Por que aceitamos nomear os ataques aos direitos básicos (que prejudicam em especial a população mais carente, menos assistida e com menores oportunidades de estudar, trabalhar, cuidar da saúde, ter moradia digna, transporte decente) como Reformas? Eis o post em rede social atribuído ao presidente da República, minutos após a votação vitoriosa (para quem?) do texto-base que embasa a tal Reforma: “O Brasil está cada vez mais próximo de entrar no caminho do emprego e da prosperidade”.
 
Recapitulemos. O primeiro gesto de resistência seria questionar o emprego de determinadas palavras em lugar de outras. O segundo ato seria relembrar que a famigerada Reforma da Previdência (aprovada no dia 10 de julho de 2019, em primeiro turno) sucedeu a Reforma Trabalhista, levada a termo durante o governo de Michel Temer.
 
 
 
 




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