- mell280
09/01/2025 04h23
Regulamentação da IA: como empresários do setor enxergam as novas regras para o uso da tecnologia no Brasil?
Especialistas que atuam com inteligência artificial no Brasil e no mundo comentam sobre importante movimento que seguirá para votação
O Projeto de Lei 2.338/2023, que regulamenta a Inteligência Artificial (IA) no Brasil, teve sua aprovação pelo Senado. A proposta, que segue à Câmara dos deputados, traz diretrizes para o desenvolvimento ético e seguro de IA, estabelecendo normas que visam equilibrar inovação, proteção de direitos e segurança jurídica. Entre os principais pontos estão a criação do Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA), a proibição de usos considerados nocivos, como a manipulação de vulnerabilidades ou o desenvolvimento de armas autônomas, e a exigência de remuneração pelo uso de conteúdo protegido. De acordo com um estudo realizado pela McKinsey, em 2024, 72% das empresas de todo o mundo já adotaram a IA, o que revelou um aumento de 17% se comparado a 2023. No entanto, houveram polêmicas nos debates em torno da exclusão de trechos que vinculavam o uso da tecnologia à proteção da integridade da informação e ao combate à desinformação durante as sessões.
A discussão acerca do assunto vem permeando o dia a dia de empresários e especialistas do setor, que destacam a importância de equilibrar a proteção de direitos com a manutenção de um ambiente que favoreça a inovação. A proposta de regulamentação reflete os desafios de construir esse modelo harmônico em um cenário de adoção crescente da tecnologia no país. Para o Brasil, a substituição de emprego é uma das maiores questões: segundo o Fórum Econômico Mundial, até 2027 serão criados 69 milhões de vagas e eliminados 83 milhões — boa parte disso devido ao impacto da inteligência artificial. Conforme apontado pelo relatório Cisco AI Readiness Index 2024, as limitações de infraestrutura são um dos principais entraves para o desenvolvimento da tecnologia.
IA para otimização - ética e transformação
Segundo Henrique Flôres, co-fundador e gerente de produto da Contraktor, startup que desenvolve a IA CK Reader, focada na gestão de contratos, o avanço da IA é mais uma grande revolução humana, mas a discussão sobre o tema com um viés ético se torna essencial. “Quando falamos em análise de contratos, por exemplo, temos benefícios indiscutíveis e sem precedentes, inclusive para profissionais da área jurídica, dos advogados ao poder público, que podem ter o seu trabalho de semanas agilizado em minutos. A regulamentação da IA no Brasil é um passo crucial para garantir um desenvolvimento ético e seguro dessa tecnologia, considerando o contexto e a maturidade que existe hoje, bem como os seus impactos previstos, a fim de garantir uma boa vida em sociedade”, afirma.
Anderson Paulucci, CDO e co-fundador da triggo.ai, startup de data analysis & AI, também comenta que a regulamentação é um passo importante que pode ser comparado a grandes revoluções históricas, como a introdução da internet. “A inteligência artificial já é uma realidade irreversível. A regulamentação é um processo natural e necessário, mas não deve gerar um sentimento de medo ou aversão ao uso dessa tecnologia. Pelo contrário, uma regulamentação bem elaborada pode fortalecer seu potencial transformador, ao mesmo tempo em que inibe práticas criminosas e perigosas, promovendo uma adoção responsável e equilibrada, com a devida responsabilização das partes envolvidas”, ressalta o executivo.
No entanto, mesmo entendendo a urgência, Paulucci acredita que no Brasil seria importante aprofundar o debate antes de avançar algum regulamento, pois iniciativas prematuras podem atrapalhar os avanços positivos da tecnologia sem necessariamente produzir controles efetivos.
Ariel Salles, Vice-Presidente de Tecnologia da Avivatec, empresa brasileira referência em soluções de tecnologia para o mercado, comenta que “a regulação desempenha um papel crucial na construção de um ambiente de confiança, especialmente em setores que lidam com dados sensíveis, como o financeiro e o de saúde. No entanto, é indispensável que as regras sejam equilibradas, permitindo que a inovação continue a prosperar sem que as exigências regulatórias se tornem um entrave para o desenvolvimento de soluções avançadas e competitivas”.
Ana Paula Prado, CEO do InfoJobs e porta-voz do Pandapé, software de RH líder na América Latina, também compartilha sua visão sobre o tema. De acordo com a executiva: "A regulamentação da IA representa um marco importante para a segurança jurídica e a ética no uso dessa tecnologia, especialmente em um contexto de transformações aceleradas. Esses recursos têm o potencial de otimizar muitos processos de RH, desde o recrutamento e a seleção até o desenvolvimento de carreiras. No entanto, é fundamental que as empresas se responsabilizem pela forma como essa tecnologia é implementada. Como sempre digo, o toque humano é fundamental para garantir que essa tecnologia cumpra plenamente o propósito para o qual foi criada", afirma.
Para a executiva, as novas regras trarão oportunidades para as organizações se posicionarem como líderes no uso ético da IA, atraindo tanto talentos quanto investidores que buscam um ambiente de negócios transparente e confiável. "Acredito que, quando bem implementada, a regulamentação será uma aliada no fortalecimento da confiança dos profissionais nas empresas, criando um mercado de trabalho mais justo e preparado para os desafios do futuro", conclui Ana Paula.
Para Adriano Leão, CEO e founder da SST, startup que desenvolve tecnologias avançadas de IA para dispositivos com câmeras, o marco tem um impacto significativo, trazendo segurança jurídica para empresas que operam em setores críticos como segurança, infraestrutura e energia, porém, ainda há desafios a serem superados. “Essa segurança é essencial para atrair investimentos e construir confiança no mercado. Porém, há desafios em equilibrar o cumprimento das exigências regulatórias com a agilidade necessária para inovar. Garantir a transparência e a explicabilidade dos modelos de IA, especialmente aqueles que envolvem deep learning, devido à complexidade técnica inerente. Outro ponto preocupante é a categorização de riscos dos sistemas de IA, que pode criar incertezas para empresas inovadoras que trabalham em áreas novas e pouco regulamentadas”, destaca.
O executivo também acredita que o cenário das startups que trabalham com a tecnologia deverá ser impactado. “A regulação pode criar barreiras para startups, principalmente devido aos custos de conformidade e auditoria. No entanto, se implementada de forma equilibrada, ela também pode beneficiar empresas ao criar um ambiente de confiança, que é essencial para conquistar clientes e investidores. Startups que souberem adaptar seus modelos de negócio para atender às regulamentações terão uma vantagem competitiva, especialmente em mercados globais que já exigem altos padrões éticos e técnicos", comenta.
Vinicius Gallafrio, CEO da MadeinWeb, empresa provedora de TI e especialista em IA Generativa, diz que a aprovação do relatório pelo Senado representa um avanço importante na regulamentação de IA, equilibrando inovação com responsabilidade. Com regras mais claras para sistemas de alto risco e IA generativa, a proposta oferece segurança jurídica e incentiva a adoção ética da tecnologia. “A flexibilidade na avaliação de impacto e o foco em direitos autorais, proteção de dados e supervisão humana destacam o Brasil como um líder potencial na governança de IA. O que na minha opinião, tem o potencial de acelerar a adoção em grandes corporações ou em mercados extremamente regulado, como o setor financeiro. Para o mercado, a regulamentação cria um ambiente mais previsível, atraindo investimentos e promovendo inovação responsável, essencial para posicionar o Brasil como referência global em inteligência artificial”, pontua Vinicius.
Consultoria e CX - papel das tecnologias e uso de dados
O Managing Partner e fundador da Lima Consulting Group - consultoria premiada em transformação de experiência do cliente, Paul Lima, avalia que “o ritmo da inovação está ultrapassando o da ética, e o governo tem um papel crucial na regulamentação da IA. As empresas de tecnologia estão fornecendo ferramentas que permitem que os profissionais de experiência do cliente conduzam a hiperpersonalização usando poder computacional que, há alguns anos, era exclusivo de superpotências mundiais. Mas será que as empresas usam essas ferramentas de maneira ética? Por exemplo, é certo que uma empresa de DNA, crie um segmento de clientes com alta propensão ao vício em café e venda esses dados para uma empresa de café? Nós possuímos os direitos sobre nosso rosto e voz?”, questiona o executivo.
Segundo Lima, “o governo geralmente aborda casos que já aconteceram, então devemos esperar que os reguladores se atualizem. Isso significa que os profissionais têm a responsabilidade de usar essas ferramentas de maneira ética, garantindo que seus clientes percebam o uso da IA”.
A regulamentação da inteligência artificial no Brasil marca um passo importante em um momento de transição tecnológica acelerada. Com a expectativa de aprovação no plenário, o PL 2.338/2023 busca equilíbrio, a fim da segurança jurídica e ética no uso dessa. O grande desafio de harmonizar desenvolvimento e regulação persiste, exigindo uma visão que favoreça tanto o crescimento do mercado quanto a proteção de direitos fundamentais. Especialistas e líderes do setor concordam que, quando bem implementadas, as novas regras têm o potencial de posicionar o Brasil como referência global em governança de IA, que atrai investimentos, promove a confiança no mercado e garante que seu avanço beneficie a sociedade como um todo. Com a votação iminente, os próximos passos serão determinantes para o futuro da tecnologia no país, com destaque para a importância de um diálogo contínuo e construtivo entre empresas, governo e sociedade civil.