30/07/2025 10h58
Eleição em MG: Polícia Federal confirma uso de inteligência artificial em áudio atribuído a candidato
Uma perícia técnica da Polícia Federal confirmou que um áudio atribuído ao então candidato a prefeito de Teófilo Otoni (MG), Tarcirlei Mariniello de Brito (PT), foi gerado por inteligência artificial.
O laudo, produzido pelo Setor Técnico-Científico da Superintendência da PF na Bahia, analisou o arquivo que circulou nas semanas finais da campanha eleitoral de 2024 e concluiu que se trata de material sintético, com alto grau de manipulação por clonagem de voz.
A perícia atendeu a uma solicitação do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais e da Delegacia da Polícia Federal em Governador Valadares, dentro de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral que acusa possíveis irregularidades na disputa que terminou com a vitória de Fábio Marinho (PL).
O arquivo analisado pela PF tem duração de aproximadamente 6,7 segundos e circulou amplamente por redes sociais e grupos religiosos da cidade na reta final da campanha. Nele, uma voz supostamente atribuída ao candidato do PT afirma: “Ô, Fátima, a zona rural tá no bolso. Agora é só daqui a quatro anos. Nem Deus tira de nós essa eleição.”
Segundo o laudo, diversos elementos técnicos indicam que a fala foi gerada com uso de inteligência artificial. Entre os indícios estão:
– Espectro de áudio incompatível com aplicativos de mensagem: a frequência da fala ultrapassa 16 kHz, acima do limite usual (8 kHz) de gravações feitas por celular via WhatsApp;
– Simetria perfeita dos canais de áudio: o conteúdo da voz aparece duplicado de forma idêntica nos dois canais, o que é típico em vozes clonadas por IA;
– Ritmo e entonação artificiais: foram identificados padrões de prosódia não naturais, característicos de simulações sintéticas de fala;
– Ausência de metadados originais: o arquivo não apresenta dados de origem que pudessem indicar gravação legitimamente realizada.
Além da análise estrutural, os peritos utilizaram a ferramenta “Deep Fake Total”, desenvolvida por pesquisadores do Fraunhofer AISEC, na Alemanha, para detectar vozes geradas artificialmente. O sistema atribuiu ao áudio um índice de 99,8% de probabilidade de ser sintético.
O cruzamento dos resultados com gravações reais da voz de Tarcirlei evidenciou diferenças nas características vocais autênticas e na forma como a fala se articula. A PF também recriou, em ambiente de teste, áudios similares utilizando plataformas de clonagem pública, demonstrando que é possível gerar conteúdo com características semelhantes a partir de apenas 60 segundos de material original da voz.
O conteúdo da gravação foi amplamente difundido em comunidades religiosas, especialmente evangélicas, e em grupos da zona rural de Teófilo Otoni, nas semanas finais da campanha. Diversos eleitores informaram ter recebido o áudio com a legenda “encaminhado com frequência” e com imagens associadas ao navio Titanic — símbolo, no meio evangélico, de arrogância perante a divindade, em razão da frase popularizada pelo filme: “Nem Deus afunda este navio”.
O laudo da PF foi anexado à AIJE movida pela coligação de Tarcirlei. A ação também alega abuso de poder político e econômico, uso indevido dos meios de comunicação e captação ilícita de sufrágio por meio da veiculação de conteúdo falso. Entre as irregularidades apontadas estão a suposta promessa de cargos a antigos adversários em troca de apoio político e o derramamento de panfletos eleitorais em locais de votação — o que, segundo a legislação, configura propaganda irregular.
O principal adversário de Mariniello na eleição, Fábio Marinho (PL), venceu o pleito com 51,52% dos votos válidos.
A defesa do PT solicita a cassação dos diplomas de Marinho e de seus dois companheiros de chapa, além da declaração de inelegibilidade dos envolvidos por oito anos, com base em dispositivos da Lei das Inelegibilidades e da Lei das Eleições.