- mell280
30/07/2025 11h06
Planos de Saúde, Judicialização e o Castigo de Sísifo
Conforme dados disponibilizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de novas ações judiciais contra os planos de saúde, de janeiro a maio de 2025, chegou a 126,1 mil casos - o que representa um aumento de 6,8% em relação ao mesmo período do ano passado.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por sua vez, divulgou dados recentes demonstrando que 62,4% das despesas judiciais suportadas pelos planos de saúde decorrem do não cumprimento de procedimentos já previstos em contrato. Isso evidencia o descumprimento sistemático das obrigações assumidas.
Por outro lado, a ANS também destacou que os planos de saúde dobraram o lucro no primeiro trimestre de 2025, atingindo R$ 7,1 bilhões — alta de 114% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Tal fato revela a força dos players do setor e a robustez incontestável de seus resultados operacionais.
Vivemos um momento preocupante, marcado pelo descumprimento reiterado de decisões judiciais por parte dos planos de saúde, que preferem assumir o risco de penalizações — por vezes irrisórias e, o que é pior, tratam eventuais multas como meras despesas operacionais. Em grande parte dos casos, as sanções aplicadas são menores que o custo de cumprimento das obrigações contratuais.
Nesse cenário de incertezas, há um posicionamento do Poder Judiciário que deve ser visto com bons olhos: as cortes têm decidido que beneficiários de planos de saúde não precisam reembolsar as operadoras por tratamentos garantidos por decisões liminares, mesmo que estas sejam posteriormente revogadas.
Em decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (ARE 1319935), o Acórdão destaca que a natureza essencial e imprescindível do tratamento, comprovada por laudo médico, assegura o direito à vida. Além disso, o recebimento, de boa-fé, dos produtos e serviços de saúde, afasta a obrigação de restituir os respectivos valores.
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 2162984, também decidiu que o plano de saúde não tem direito ao ressarcimento, uma vez que deve prevalecer a boa-fé e a confiança legítima do beneficiário na cobertura dos medicamentos prescritos para o tratamento.
A título ilustrativo, pode-se considerar que estas decisões seguem a mesma lógica do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, no direito de família: os valores pagos como pensão alimentícia não podem ser devolvidos ao pagador, mesmo que haja revisão ou extinção da obrigação alimentar. Tal regra evita que o alimentado seja prejudicado por mudanças supervenientes em decisões judiciais.
Albert Camus, na célebre obra “O Mito de Sísifo”, compara o castigo imposto ao personagem mitológico — carregar eternamente uma pedra até o topo da colina, apenas para vê-la rolar de volta, à condição humana na vida moderna. Trata-se de uma representação da luta diária diante das responsabilidades repetitivas, das metas inalcançáveis e do sentimento de vazio existencial.
De modo semelhante, muitos consumidores se sentem condenados a um suplício quando precisam recorrer à Justiça para garantir tratamentos de saúde e, mesmo após uma decisão favorável, vivem sob uma ameaça constante de revogação.
Infelizmente, essas decisões favoráveis ao consumidor ainda não possuem efeito vinculante, o que significa que os tribunais não estão obrigados a segui-las. Na prática, portanto, o risco de o consumidor ser surpreendido por uma cobrança permanece latente. O que se espera é que o Judiciário avance para consolidar um entendimento definitivo — que não apenas garanta segurança jurídica, mas também impeça que os mais vulneráveis continuem carregando a pedra de Sísifo.
Fonte: Stéfano Ribeiro Ferri - fundador do Stéfano Ferri Advocacia, especialista em direito do consumidor e saúde, assessor da 6ª Turma do Tribunal de Ética da OAB/SP e membro da Comissão de Direito Civil da OAB – Campinas
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