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Origem e Desenvolvimento Histórico dos Sistemas de Compliance


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07/12/2025 14h51

Origem e Desenvolvimento Histórico dos Sistemas de Compliance

Carol do Jornalismo


Artigo de Filipe Henrique Coelho Alves

 

O sistema de compliance nos Estados Unidos emergiu no início do século XX como resposta institucionalizada a crises regulatórias e escândalos corporativos. A criação do Food and Drug Administration em 1906, através do Food and Drug Act, marcou o primeiro esforço governamental americano de estabelecer controles obrigatórios sobre as atividades econômicas [1]. Posteriormente, a instituição do Federal Reserve System em 1913 consolidou a supervisão do sistema financeiro, enquanto a Conferência de Haia de 1930 criou o Bank for International Settlements, estabelecendo os primeiros mecanismos de cooperação internacional para controle de atividades financeiras. Os escândalos corporativos dos anos 1970, particularmente os casos Lockheed Corporation e Watergate, impulsionaram a promulgação do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) em 1977, que estabeleceu o primeiro marco regulatório de alcance extraterritorial contra a corrupção. A década de 1980 consolidou essa estrutura quando a Securities and Exchange Commission (SEC) passou a exigir rigorosamente a implementação de controles internos e análise de risco nas instituições financeiras, após escândalos em Wall Street.

No Brasil, a incorporação formal de mecanismos de compliance ocorreu significativamente depois, com a Lei 9.613 de 1998 abordando crimes de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, estabelecendo ainda o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) [1]. A modernização do marco regulatório brasileiro prosseguiu com a Lei Anticorrupção de 2013, que trouxe a responsabilidade administrativa de pessoas jurídicas por atos de corrupção. A Lei das Estatais de 2016 completou essa evolução legislativa, estendendo obrigações de compliance ao universo da administração pública indireta brasileira [2]. Essa sequência demonstra que o Brasil abraçou progressivamente os conceitos de compliance mediante reformas legais, embora com defasagem temporal significativa em relação aos marcos americanos.

A OCDE consolidou o compliance como programa de integridade corporativa transnacional, estabelecendo diretrizes de conformidade normativa que transcendem fronteiras nacionais e enfatizam o combate à corrupção em escala global [2]. Ambos os países adotaram essas diretrizes, porém em contextos institucionais distintos. Enquanto os Estados Unidos desenvolveram um sistema maduro e descentralizado, com agências reguladoras especializadas exercendo controle setorial, o Brasil construiu um framework mais centralizado, fundamentado em legislações específicas que abordam particularidades da administração pública e do setor privado. Essa diferença temporal e estrutural entre os dois países impactou tanto a maturidade dos marcos normativos quanto a eficácia dos mecanismos institucionais de enforcement, criando distinções relevantes na aplicação prática do compliance em cada jurisdição.

Diferenças Jurídicas Fundamentais nos Marcos Regulatórios

O Brasil estrutura seu sistema de compliance sobre fundamentos de civil-law, caracterizado por legislação codificada e explícita que determina rigorosamente o comportamento corporativo, enquanto os Estados Unidos operam sob regime de common-law, no qual precedentes judiciais desempenham papel central na interpretação e evolução das normas de compliance. Essa distinção fundamental implica abordagens significativamente distintas: no Brasil, o compliance vincula-se diretamente a normas específicas como a Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), que estabelece parâmetros precisos de conduta administrativa e criminal para pessoas jurídicas. Nos Estados Unidos, por sua vez, há maior flexibilidade interpretativa pelos tribunais, permitindo que agências federais adaptem exigências de compliance conforme jurisprudência evolua em resposta a novos escândalos e desafios regulatórios. Essa dicotomia reflete filosofias jurídicas distintas: enquanto o Brasil privilegia a codificação como instrumento de segurança jurídica e previsibilidade, os Estados Unidos confiam na capacidade dos tribunais de interpretar e aplicar as normas de forma responsiva às circunstâncias mutáveis das relações comerciais.

A arquitetura institucional de enforcement diferencia-se significativamente entre os dois países [1]. Nos Estados Unidos, a Federal Reserve System e agências reguladoras como a Securities and Exchange Commission (SEC) exercem autoridade descentralizada sobre setores específicos, permitindo múltiplas abordagens de compliance adaptadas às particularidades de cada indústria—desde instituições financeiras até intermediários de valores mobiliários. Essa estrutura descentralizada promove inovação regulatória e especificidade setorial, mas também gera complexidade para empresas multinacionais. No Brasil, a estrutura é mais centralizada, com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e órgãos específicos como a Advocacia-Geral da União coordenando a aplicação uniforme das normas de compliance em todo o território nacional. Essa centralização oferece maior coesão normativa, reduzindo a fragmentação interpretativa, mas potencialmente limitando a flexibilidade institucional.

A modalidade de responsabilidade corporativa diverge substancialmente entre os regimes jurídicos [1]. Nos Estados Unidos, o compliance visa primordialmente a responsabilidade penal das pessoas jurídicas por agências federais, frequentemente aplicando estruturas de negociação (plea agreements) que permitem mitigação de penalidades mediante implementação de programas de conformidade. No Brasil, a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) estabelece um modelo integrado que acumula responsabilidade administrativa, civil e penal das pessoas jurídicas simultaneamente, sem necessariamente dispensar uma modalidade em favor de outra. Essa diferença reflete modelos distintos de enforcement normativo: enquanto o sistema americano privilegia responsabilidade criminal com potencial perdão mediante compliance, o brasileiro impõe múltiplas formas de responsabilidade concomitantemente, criando incentivos mais robustos para implementação efetiva de programas de integridade corporativa desde o princípio.

Aplicação e Conformidade em Setores Específicos

No setor financeiro, as abordagens regulatórias entre Brasil e Estados Unidos refletem as diferenças estruturais já identificadas em seus marcos legais. O Brasil implementa regulações rigorosas através da Lei 12.846/2013 e resoluções do Banco Central, enquanto nos Estados Unidos o Dodd-Frank Act de 2010 estabelece um framework descentralizado que atribui autoridade a múltiplas agências federais como a Federal Reserve e a SEC [3]. Ambos os países exigem programas de compliance robusto em instituições financeiras, porém com requisitos procedimentais distintos: o sistema americano enfatiza maior flexibilidade interpretativa e negociação (plea agreements), enquanto o brasileiro impõe conformidade administrativa simultânea [4]. Essa diferença reflete-se nos custos de conformidade, especialmente para instituições menores, que nos Estados Unidos sofrem impacto desproporcional das regulações federais em relação aos bancos maiores [3].

No contexto de proteção de dados, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) brasileira e o Health Insurance Portability and Accountability Act (HIPAA) americano ocupam papéis análogos, embora com enfoques distintos. A LGPD estabelece conformidade rigorosa em matéria de dados pessoais e privacidade com princípios abrangentes que se aplicam a todos os setores econômicos, enquanto o HIPAA concentra-se especificamente na proteção de informações de saúde no setor healthcare [5]. Ambas as legislações demandam estruturas de compliance específicas, sendo que a LGPD centraliza responsabilidades em controladores de dados e exige documentação extensiva de consentimento, enquanto o HIPAA distribui responsabilidades entre covered entities e business associates com requisitos de autorização distintos [6]. O modelo brasileiro tende à maior centralização administrativa de responsabilidades, enquanto o americano favorece maior compartilhamento de responsabilidades entre múltiplos stakeholders [7].

No contexto do setor público, o Brasil exige conformidade por meio da Lei das Estatais (Lei 13.303/2016), que estabelece obrigações de integridade corporativa para empresas estatais e da administração pública indireta, enquanto nos Estados Unidos entidades federais e estatais implementam conformidade mediante diretrizes da Office of Management and Budget e requisitos específicos de cada agência [1]. As abordagens diferem substancialmente quanto aos mecanismos de monitoramento e sanção administrativa: o modelo brasileiro centraliza a supervisão mediante órgãos como a CGU (Controladoria-Geral da União) e aplica sanções administrativas e penais concomitantes, enquanto o sistema americano distribui supervisão entre agências especializadas que exercem autoridade setorial com distintos poderes sancionatórios. Essa diferença estrutural impacta diretamente a uniformidade interpretativa das normas: enquanto o Brasil busca coesão normativa através de legislação específica e diretrizes centralizadas, os Estados Unidos permitem maior variação regulatória entre jurisdições federais e estaduais, criando tanto flexibilidade quanto complexidade para organizações que operam em múltiplas jurisdições.

Similaridades Essenciais entre os Sistemas

Apesar das diferenças estruturais e institucionais significativas, o Brasil e os Estados Unidos convergem em princípios fundamentais de compliance. Ambos os países enfatizam a prevenção da corrupção e da lavagem de dinheiro como pilares centrais dos seus sistemas, reconhecendo que esses fenômenos prejudicam a integridade institucional, a confiança pública e o funcionamento adequado dos mercados [2]. Os dois ordenamentos estabelecem protocolos robustos para identificação de riscos, documentação meticulosa de operações financeiras e comunicação obrigatória de suspeitas de irregularidades aos órgãos competentes, demonstrando abordagem compartilhada ao controle regulatório.

Os sistemas brasileiro e norte-americano convergem igualmente na exigência de programas de conformidade estruturados e abrangentes nas organizações públicas e privadas [1]. Ambos reconhecem que o compliance transcende a mera conformidade passiva com normas, funcionando como instrumento de autorregulação corporativa que complementa e reforça a fiscalização estatal. Nesta perspectiva, exigem a implementação de políticas escritas claramente definidas, programas obrigatórios de treinamento de colaboradores em padrões de integridade e mecanismos de denúncia internos que protejam denunciantes. Essa similaridade reflete compreensão partilhada de que organizações responsáveis devem internalizar controles preventivos como estratégia mais eficiente que remediação posterior.

Uma similaridade crucial reside na adoção, por ambas as jurisdições, das diretrizes da OCDE e de instrumentos internacionais como a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção [2]. Essa harmonização demonstra convergência em princípios fundamentais como transparência, accountability e responsabilidade corporativa, refletindo compromisso compartilhado com padrões mínimos internacionais de integridade. Ambos os países incorporaram estes padrões em seus marcos legais, embora através de mecanismos institucionais distintos, reconhecendo que a corrupção transnacional exige coordenação regulatória e aplicação consistente de normas que transcendem fronteiras nacionais.

Aspecto

Brasil

Estados Unidos

Sistema Jurídico

Civil-law (legislação codificada)

Common-law (precedentes judiciais)

Marcos Legais Principais

Lei 12.846/2013 (Anticorrupção); Lei 13.303/2016 (Estatais); LGPD

FCPA (1977); Dodd-Frank Act (2010); HIPAA

Estrutura Institucional

Centralizada (COAF, CGU, Advocacia-Geral da União)

Descentralizada (SEC, Federal Reserve, múltiplas agências federais)

Modalidade de Responsabilidade

Acumulativa (administrativa, civil e penal simultâneas)

Separada (primordialmente penal com possibilidade de mitigação)

Enforcement

Uniforme por legislação específica

Flexível por interpretação judicial e agências especializadas

Setor Financeiro

Regulação centralizada pelo Banco Central

Regulação descentralizada por múltiplas agências

Proteção de Dados

LGPD (princípios abrangentes a todos os setores)

HIPAA (específico ao setor healthcare)

Conformidade no Setor Público

Lei das Estatais com supervisão centralizada

Diretrizes de OMB com supervisão setorial descentralizada

Negociação de Conformidade

Sanções concomitantes obrigatórias

Plea agreements com potencial perdão mediante compliance

Apesar dessas diferenças procedimentais e estruturais, ambos os países desenvolveram sistemas robustos que compartilham o objetivo comum de combater ilicitudes econômicas através de mecanismos preventivos, monitoramento contínuo e responsabilização efetiva. A convergência em princípios internacionais, aliada às distintas abordagens institucionais, ilustra como jurisdições com tradições jurídicas diferentes podem alcançar objetivos regulatórios similares, ainda que através de caminhos normativos distintos.

Desafios Comuns e Perspectivas de Convergência Regulatória

Ambos os países enfrentam desafios significativos na implementação prática do compliance, particularmente quanto à efetiva conformidade em organizações menores e na garantia de que programas não se tornem meramente formais. A pesquisa bibliométrica abrangente sobre a produção acadêmica em compliance entre 1971 e 2024 evidencia crescimento internacional consistente no interesse pela temática, sinalizando um movimento global em direção à padronização mínima de diretrizes [8]. Nos Estados Unidos, micro e pequenas empresas enfrentam especiais dificuldades em implementar frameworks de compliance robustos devido às restrições financeiras e de recursos humanos, resultando em desproporcional impacto regulatório comparado a corporações maiores. No Brasil, desafio similar emerge nas organizações de médio porte que carecem de infraestrutura tecnológica e capacidade institucional para monitorar conformidade continuamente, levando à formalização superficial de programas sem verdadeira internalização de padrões de integridade. Essa lacuna entre conformidade nominal e substantiva representa um desafio compartilhado que ambas as jurisdições buscam enfrentar através de mecanismos de enforcement mais alinhados com realidades operacionais das organizações.

A globalização das operações comerciais cria pressão contínua por harmonização regulatória entre Brasil e Estados Unidos, particularmente em setores com presença multinacional intensiva como aviação, finanças e tecnologia. Dentro da cadeia aerospacial, por exemplo, iniciativas bilaterais estabelecem padrões de qualidade como AS9100 e procedimentos de certificação especial através da Nadcap, enquanto acordos de navegabilidade como BASA e BER reduzem significativamente fricções de conformidade entre jurisdições [9]. Essas iniciativas bilaterais e multilaterais reconhecem que os custos de conformidade fragmentada entre jurisdições excedem substancialmente os benefícios de flexibilidade local, incentivando convergência voluntária em setores críticos. Simultaneamente, organismos internacionais como OCDE continuam promovendo harmonização através de orientações sobre transferência de preços, prevenção de corrupção transnacional e práticas de responsabilidade corporativa, criando efeito homogeneizador que transcende diferenças estruturais dos dois sistemas jurídicos.

Ambos os ordenamentos reconhecem a necessidade urgente de atualização contínua das normas frente a riscos emergentes, especialmente aqueles associados à inteligência artificial, comércio digital e operações em criptomoedas. A regulação da inteligência artificial no Brasil enfrenta desafios jurídicos, éticos e sociais similares aos enfrentados pela União Europeia e Estados Unidos, destacando lacunas na governança algorítmica e transparência de sistemas autônomos [10]. Reguladores americanos, através da SEC e outras agências federais, exploram mecanismos de sandboxes regulatórios que permitem testes controlados de tecnologias emergentes, enquanto o Brasil inicia esforços de harmonização com marcos internacionais através da Lei de Proteção de Dados Pessoais. A tendência discernível aponta para maior convergência entre os sistemas na próxima década, especialmente em matérias de governança algorítmica, proteção de dados em ambientes cloud e compliance com regulações ambientais e de criptoativos. Essa convergência progressiva será potencializada pelo papel normativo de organismos multilaterais e pela capacidade demonstrada pelas corporações multinacionais de adotar padrões únicos que atendam simultaneamente aos requisitos mais rigorosos de ambas as jurisdições, criando verdadeiro denominador comum regulatório.

References

As referências mostram um panorama amplo sobre compliance, regulação e tecnologias emergentes. [1] Coutinho e Neto (2024) analisam o compliance aplicado aos partidos políticos no Brasil; [2] Matos e Filho (2024) examinam o sistema de conformidade a partir das visões da OCDE e do contexto brasileiro; [3] Cruz e Feliberty (2023) estudam os custos do Dodd-Frank Act para bancos comerciais nos EUA; [4] Chukwu (2025) discute como a inovação em FinTech e o uso de IA ajudam na segurança digital e na prevenção de fraudes nos mercados financeiros norte-americanos; [5] Saraiva, Souza e Soares (2025) apresentam um modelo de maturidade para governança e conformidade em instituições de sistemas de informação; [6] Costa e Alto (2025) tratam do cumprimento da LGPD no Brasil; [7] Crte-Real, Nunes e Cunha (2024) refletem sobre o papel do blockchain no compartilhamento de dados de saúde; [8] Vasconcelos e Prado (2024) realizam uma revisão bibliométrica da produção acadêmica em compliance; [9] Martins (2025) aborda a cooperação estratégica entre Estados Unidos e Brasil na cadeia aeronáutica do século XXI; e [10] Falangola et al. (2025) analisam os desafios jurídicos, sociais e éticos relacionados à regulação da inteligência artificial no Brasil.

 







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