- mell280
30/12/2024 11h51
Associações vão à Justiça contra lei que cobra imposto adicional para produção, armazenamento e transporte de grãos no Maranhão
Associações que reúnem produtores e comerciantes de grãos no Brasil já estão se mobilizando para recorrer à Justiça contra a Lei 12.428/2024, que recriou uma alíquota de tributação que incide sobre produção, transporte e armazenamento de soja, milho, milheto e sorgo pelo estado do Maranhão. Chamando de Contribuição Especial de Grãos (CEG), o estado pretende taxar em 1,8% o valor da tonelada. O questionamento no Judiciário trará como um dos argumentos os impactos do tributo nos custos operacionais dos produtores rurais. Também mostrará como a nova legislação burla a Reforma Tributária.
O tema é polêmico desde 2013, quando o estado Maranhão criou a Taxa de Fiscalização de Transporte de Grãos (TFTG), que tributou em 1% qualquer transporte de soja, milho, milheto e sorgo. Produtores rurais entraram com ações na Justiça e conseguiram suspender em primeira instância a cobrança da TFTG, com o entendimento de que o fato de a taxa e o ICMS terem o mesmo fato gerador e incidirem sobre a mesma base de cálculo configura bis in idem tributário (cobrança de tributo sobre objeto já tributado), uma vez que o estado estaria tributando duas vezes o mesmo fato, o que viola a Constituição Federal.
Para não perder com a arrecadação, o Maranhão implementou a nova cobrança, com base no texto da Reforma Tributária, que permite aos estados instituírem contribuições para a manutenção dos fundos estaduais.
Para Felipe Peralta, advogado tributarista do CSA Advogados, “são significativas as chances de sucesso das associações ante a flagrante inconstitucionalidade da cobrança”. Segundo Peralta, a preocupação está no fato de que a instituição da CEG pelo Maranhão poderá abrir um precedente para outros estados. “Se projeta uma tendência de outros entes federativos lançarem mão do mesmo expediente para aumentar a arrecadação em paralelo àquilo que constou efetivamente da reforma tributária”, comenta.
O advogado alerta que o objetivo original da reforma tributária poderá ser afetado se o cenário se confirmar. “O que mais chama a atenção é que, mesmo com todo o esforço para a aprovação de uma tributação sobre o consumo minimamente mais racional do que a atual, os operadores do sistema continuam a buscar atalhos para aumentar a arrecadação e manter a sua autonomia orçamentária”.
A nova cobrança passará a valer no final de fevereiro de 2025, revogando a TFTG a partir desta data, e incidindo sobre saídas com destino a exportação (incluindo em operações interestaduais). Com a CEG em jogo, além da alíquota maior do que a prevista na taxa anterior (de 1% para 1,8%), estão previstas penalidades de até 50% em caso de atraso ou erros no pagamento, custos adicionais em operações destinadas à exportação e exigências fiscais que podem gerar insegurança jurídica.
Criatividade para burlar a Reforma Tributária
Henrique Erbolato, sócio da área tributária do Santos Neto Advogados, explica que a cobrança da taxa criada em 2013 também está em discussão no Tribunal de Justiça do Maranhão e no Supremo Tribunal Federal, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 7.407. Na segunda instância e no STF, além do argumento da bitributação, discute-se que a TFTG não tem natureza jurídica de “taxa”, pois está desvinculada de qualquer atuação estatal e que viola o artigo 155, parágrafo 2, inciso X, “a”, da Constituição que proíbe a cobrança de ICMS sobre as operações que destinem mercadorias para o exterior.
Erbolato ensina que a CEG é uma contribuição distinta daquelas autorizadas pela Reforma Tributária, pois possui natureza tributária. De acordo com ele, a Reforma Tributária acrescentou o artigo 136 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), trazendo requisitos para que os estados possam cobrar contribuições vinculadas a fundos estaduais.
Essas condições estão definidas assim: 1) até 30 de abril de 2023, os fundos destinados a investimentos em obras de infraestrutura e habitação devem ser financiados por contribuições; 2) o pagamento dessa contribuição deve estar vinculado a alguma espécie de algum benefício fiscal ou, nos termos do próprio dispositivo “[...] como condição à aplicação de diferimento, regime especial ou outro tratamento diferenciado [...]”; 3) e a nova contribuição não poderá ter base de cálculo ou alíquota superior à contribuição instituída em 30 de abril de 2023.
No caso do Maranhão, em 30 de abril de 2023, marco de tempo imposto pela ADCT, o tributo vigente era a TFTG que visava financiar o Fundo Estadual para Rodovias do Estado do Maranhão (FEPRO), tendo natureza jurídica de taxa, como espécie tributária, e não “contribuição” não tributária, como previsto no artigo 136 do ADCT. Além disso, “o pagamento da TFTG não estava atrelado a nenhum benefício fiscal, pelo contrário, o não pagamento implica na aplicação de multas a penalidades previstas na legislação tributária. E, por fim, a CEG tem percentual de alíquota de 1,8%, superior, portanto, à alíquota da TFTG”, discorre o tributarista.
“A CEG violou o artigo 136 do ADCT que somente permitiu a manutenção das contribuições não tributárias exigidas pelos Estados dentro dos requisitos previstos no referido artigo. Portanto, ao que parece, ao menos em relação ao tema dos fundos estatais e supostos adicionais de ICMS, o estado do Maranhão já tem usado da criatividade para burlar o compromisso assumido com a reforma tributária, inclusive trazendo à tona a dúvida se efetivamente haverá diminuição do contencioso tributário nos próximos anos”, finaliza Henrique Erbolato.