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Antigas mazelas sociais ainda reverberam no Brasil atual


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15/03/2025 05h34

Antigas mazelas sociais ainda reverberam no Brasil atual

Victória Gearini


Escritor Diego Moreira da Silva Ribeiro dialoga sobre como imposições, violências e desigualdades do período colonial ecoam no cotidiano

Por meio de documentos históricos, livros, diários, cartas e registros sobre a vida cotidiana durante o período Brasil Colônia, Diego Moreira da Silva Ribeiro escreveu Sob o mesmo Sol. Um romance histórico que aborda as relações de poder e a busca por redenção numa sociedade escravocrata. No enredo, mescla momentos de tensão e reflexões filosóficas para denunciar as mazelas de antigamente que reverberam ainda hoje na sociedade brasileira. 

“A narrativa expõe um Brasil onde o poder estava concentrado nas mãos de poucos, baseado na exploração e na hierarquia rígida, e, de certa forma, esses resquícios ainda se fazem presentes. Esta obra não apenas revisita o passado, mas nos força a refletir sobre as marcas herdadas que continuam a moldar a atualidade”, explica o escritor.  

Em entrevista, ele comenta sobre o processo de pesquisa e a importância de abordar fatos históricos por meio da literatura para combater diferentes tipos de preconceitos nos dias de hoje. Confira abaixo: 

 O livro “Sob o mesmo Sol” aborda temas como família e escravidão no Brasil colonial. Como foi o processo de pesquisa para retratar esse contexto histórico com fidelidade? 

Diego Moreira da Silva Ribeiro: A ideia primordial surgiu após ler o livro “1808” de Laurentino Gomes, a partir daí o processo de pesquisa para retratar o Brasil colonial, exigiu um mergulho nos registros históricos, nas estruturas sociais e nas contradições desse período. O romance não apenas apresenta a dinâmica familiar dos latifundiários, mas também expõe as complexas relações de poder, a brutalidade do regime escravocrata e as consequências das imposições sociais da época. 

Para construir essa ambientação com autenticidade, foi essencial explorar documentos e livros históricos, diários da época, cartas e registros sobre a vida cotidiana no período. A chegada da família real ao Brasil, a Guerra Napoleônica e o impacto das decisões da coroa portuguesa foram elementos incorporados para embasar toda dinâmica de decisões dos personagens. Com isso, o livro busca retratar com profundidade os costumes, a linguagem e as tradições da elite colonial, bem como a resistência e os desafios enfrentados pelos escravizados e indígenas. 

O grande desafio foi equilibrar a narrativa ficcional com os fatos históricos, sem suavizar as crueldades da escravidão ou romantizar o período. Cada personagem carrega dilemas e conflitos que representam diferentes perspectivas dentro dessa sociedade rigidamente hierárquica: João Filho, frio e calculista, representa o peso do legado e do poder; Francisco, o dilema entre a obediência e a liberdade de escolha; Benedito, a busca pela identidade em meio à rebeldia; e Ofélia, o enfrentamento das injustiças e da luta por dignidade em um mundo que a desumaniza. 

A fidelidade histórica do livro permitiu traçar e criar perfis psicológicos dos personagens, que vivem sob as pressões de um sistema opressor. O aprofundamento na cultura, nos costumes e nas relações de poder permitiu criar uma narrativa que não apenas conta uma história, mas provoca reflexões sobre heranças históricas que ainda reverberam na sociedade atual. 

 A obra é dividida em momentos de tensão e reflexões filosóficas sobre a vida e o destino. Como foi essa construção da narrativa? O que te motivou a mesclar esses elementos ao longo do texto? 

D.M.S.R.: O Brasil Colônia, com suas imposições sociais rígidas e a brutalidade do sistema escravocrata, já estabelece uma base carregada de desigualdades e imposições sociais, onde cada personagem precisa lidar com dilemas que vão além de seus desejos individuais – seja a obrigação do matrimônio, a fuga de um destino imposto ou a luta contra as estruturas de poder que moldam suas vidas, criando um pano de fundo que amplifica os dilemas morais dos protagonistas. Dessa forma, cada escolha feita pelos personagens ecoa não apenas nas próprias existências, mas também nos valores que sustentam aquela sociedade. 

Os momentos de tensão surgem naturalmente da própria ambientação histórica, onde as relações são permeadas por violência, dominação e resistência. A cada escolha feita pelos personagens, há uma consequência que intensifica o drama: Benedito, ao fugir, não apenas desafia a vontade do pai, mas desencadeia uma série de eventos que alteram o curso da família; Francisco, ao confrontar sua posição na sociedade, se vê diante de uma jornada de autodescoberta que coloca à prova seus valores; João Filho, ao se apegar ao poder, se afunda cada vez mais na própria frieza, tornando-se uma força de opressão dentro do enredo. 

Porém, entre essas explosões de conflito, a narrativa permite pausas para reflexão. Esses momentos filosóficos são essenciais para humanizar os personagens e dar profundidade às suas trajetórias. O confronto de Francisco com a morte, por exemplo, não é apenas um evento sobrenatural, mas um simbolismo poderoso sobre o destino e escolhas. Da mesma forma, Ofélia, ao sofrer no tronco, encontra significado e força na chuva que cai sobre seu corpo, um detalhe que transforma a dor em um momento de epifania. 

A escolha de mesclar esses elementos ao longo do texto foi motivada pela necessidade de mostrar que, em meio ao caos, há sempre espaço para a introspecção. O Brasil Colônia não era apenas um palco de disputas políticas e sociais, mas também um território onde indivíduos comuns enfrentavam dilemas internos. Esse contraste entre ação e pensamento aprofunda a experiência do leitor, permitindo que ele não apenas acompanhe os eventos, mas também reflita sobre as questões que permeiam a obra: poder, liberdade, destino e redenção. 

A construção da narrativa, portanto, não é apenas uma sucessão de acontecimentos, mas uma jornada emocional que leva os personagens – e o leitor – a confrontar a brutalidade do mundo e, ao mesmo tempo, buscar sentido dentro de si. 

 O livro retrata intensos conflitos da família Andrades e os dilemas morais que a cerca. Qual é a importância desses conflitos na construção da narrativa? Quais mensagens deseja passar ao leitor? 

D.M.S.R.: Os conflitos da família Andrades são a espinha dorsal da narrativa, pois não apenas impulsionam a trama, mas também aprofundam a complexidade psicológica dos personagens, revelando suas angústias, desejos e contradições. Por meio dos embates entre tradição e liberdade, imposição e autodeterminação, amor e poder, o livro expõe a brutalidade de um Brasil colonial escravocrata, onde os destinos eram muitas vezes selados desde o nascimento, pelo sangue e domínio econômico. 

Cada conflito serve como um espelho dos dilemas morais que permeiam a sociedade da época e que, de certa forma, ainda ecoam na contemporaneidade. João Filho representa o peso da herança e do poder; Francisco é o reflexo da dúvida entre a submissão e a resistência; Benedito encarna a busca pela liberdade; e Ofélia personifica a luta contra a opressão e a busca pela identidade em um mundo que a desumaniza. Essas jornadas individuais se entrelaçam, mostrando que as escolhas dos personagens não são apenas suas, mas sim fragmentos de uma estrutura social maior, marcada por desigualdades e abusos. 

O livro também questiona a moralidade dos sistemas patriarcais e escravocratas, expondo como esses regimes não apenas perpetuam o sofrimento dos mais oprimidos, mas também corroem aqueles que exercem o poder. Ao abordar temas como racismo, violência, amor proibido e resistência, a obra desafia o leitor a refletir sobre os impactos da imposição social e do desejo por liberdade. 

Em suma, os conflitos da família Andrades transcendem a esfera pessoal e tornam-se um retrato vívido de um período histórico cruel, onde o destino de cada indivíduo era, muitas vezes, ditado por forças que pareciam inescapáveis. Contudo, ao longo da narrativa, vemos que, por mais rígidas que sejam as correntes do passado, sempre há aqueles que ousam questioná-las, e é nessa resistência que reside a esperança e a mudança. 

4 – Ofélia é uma mulher escravizada que demonstra força e resiliência ao longo da narrativa. Como você enxerga o papel dela dentro da história? Qual é a importância da carga emocional dessa personagem para analisar a sociedade brasileira atual? 

D.M.S.R.: Como uma mulher escravizada dentro de um sistema brutal, sua trajetória é um retrato da opressão, mas também da resistência. Seu papel na narrativa vai além de uma coadjuvante nos conflitos da família Andrades – ela é símbolo da luta por dignidade e identidade em meio a um mundo que insiste em não a enxergar. 

Desde o início, Ofélia desafia as expectativas impostas. Ao seguir Benedito, ela não age apenas por amor, mas também por um desejo de mudança e liberdade. Sua jornada a expõe a inúmeros sofrimentos – a perseguição, a violência e a humilhação –, mas, ao mesmo tempo, se mantém resiliente, buscando significado e força mesmo nos momentos mais sombrios. Quando é castigada no tronco e encontra alívio na chuva, a cena carrega um simbolismo poderoso: sua dor não a define, e a esperança, por menor que seja, ainda pode florescer mesmo em meio à brutalidade. 

A carga emocional que Ofélia carrega na história ressoa profundamente quando analisamos a sociedade brasileira atual. Seu sofrimento e suas lutas refletem a violência histórica que a população negra enfrentou – e ainda enfrenta – seja por meio da escravidão institucionalizada do passado ou das desigualdades estruturais do presente. A trajetória de Ofélia também levanta questões sobre a resistência das mulheres negras, que historicamente carregam sobre si tanto o peso da opressão racial quanto do machismo. 

Além disso, seu relacionamento com Benedito, marcado por momentos de amor, conflito e até agressão, traz à tona o impacto da hierarquia racial e das relações de poder sobre os próprios indivíduos que vivem nesse sistema. Mesmo entre aqueles que se dizem aliados, como Benedito, a estrutura racista está presente, e Ofélia precisa lutar não apenas contra os senhores de engenho, mas também contra as barreiras que se interpõem em sua busca por respeito e reconhecimento. 

A escravidão deixou marcas profundas que ainda se refletem no racismo estrutural, na desigualdade social e na luta diária de milhões de pessoas por reconhecimento e justiça. O Brasil, que se construiu sob a exploração de corpos negros, ainda carrega essa herança – e Ofélia simboliza essa luta, como uma mulher que desafia as correntes que tentam aprisioná-la. Sua história emociona porque é real: ela representa milhares de mulheres negras que resistiram à escravidão, que construíram a cultura brasileira e que, até hoje, seguem lutando por espaço e igualdade. Seu papel na narrativa é essencial, pois através dela, o livro não apenas denuncia o passado, mas também convida o leitor a refletir sobre as feridas ainda abertas na sociedade brasileira. 

 Para você, qual a principal relação do Brasil contemporâneo com o passado retratado na obra? Na sua opinião, ainda há reflexos desse período na sociedade atual? 

D.M.S.R.: A principal relação do Brasil contemporâneo com o passado retratado na obra está na permanência de estruturas sociais e econômicas herdadas do período colonial. A desigualdade social extrema, a dificuldade de mobilidade entre classes e o racismo estrutural são ecos diretos desse passado, onde grandes latifundiários exerciam domínio absoluto sobre terras, pessoas e destinos. 

A obra também aborda temas como imposição de destino, violência, relações de poder e busca por liberdade, elementos que ainda permeiam a sociedade brasileira. A concentração de riquezas em poucas mãos e a persistência de uma elite que mantém privilégios às custas da exclusão de muitos são reflexos desse período. A personagem Ofélia, por exemplo, simboliza não só o sofrimento da população escravizada, mas também a luta por dignidade e identidade diante de uma sociedade que impõe barreiras ao progresso de determinados grupos. 

Além disso, a imposição de caminhos para os filhos, como o casamento arranjado de Rebeca ou a obrigação de Benedito ingressar no seminário, reflete o peso das tradições familiares e das expectativas sociais, algo que, embora atenuado, ainda pode ser observado hoje, especialmente em contextos conservadores. 

Por fim, o romance mostra como a violência – tanto física quanto simbólica – foi usada como instrumento de dominação, algo que também encontra paralelo na realidade brasileira atual, seja na forma de brutalidade policial, exclusão social ou dificuldades enfrentadas por grupos historicamente marginalizados. 

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Sobre o autor: Nascido em Itanhaémmunicípio da Baixada Santista (SP), Diego Moreira da Silva Ribeiro reside atualmente na capital paulista. Formado em administração, é também militar do exército brasileiro e cristão. De maneira leve e sensível, ele encontrou no hobby pela escrita uma forma de levar às pessoas reflexões profundas sobre relações humanas, poder e destino. Sob o mesmo Sol é o primeiro livro publicado pelo autor.  

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