Apib exige suspensão da Lei 14.701 em última sessão da Câmara de Conciliação do STF
Samela Sateré Mawé
Movimento indígena denuncia retrocessos e convoca mobilização nacional contra a chamada "Lei do Genocídio Indígena", marcada por violações de direitos e ataques aos territórios
A última sessão da Câmara de Conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF), que debate a Lei 14.701/23 e é presidida pelo ministro Gilmar Mendes, está marcada para esta segunda-feira, 23 de junho. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reivindica a suspensão do texto, que inseriu a tese do marco temporal e diversos crimes contra os povos indígenas no ordenamento jurídico brasileiro, e cobra respostas da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.582, movida contra a legislação e protocolada em dezembro de 2023.
“Chega de adiamentos desta farsa. A câmara é um espaço inconstitucional que tenta negociar os direitos indígenas e realizar uma conciliação forçada. Queremos a suspensão da Lei do Genocídio Indígena, que tem promovido constantes violências contra nossos corpos e territórios”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
Em 2023, ano em que a Lei 14.701 tramitou no Congresso Nacional e foi aprovada, foram registrados 200 assassinatos de indígenas no Brasil. Isso representa um aumento de 15% no número de vítimas em comparação com o ano de 2022, conforme aponta o relatório Violência contra os povos indígenas do Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Nos anos seguintes, a Apib denunciou uma série de ataques contra diversos povos em todas as regiões do país, como o povo Guarani Mbya, no Rio Grande do Sul; Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul; Avá-Guarani, no Paraná; Parakanã, no Pará; e Pataxó, no estado da Bahia.
Com o encerramento, a proposta da câmara segue para a avaliação e votação dos demais ministros do Supremo. Anteriormente, o plenário do STF declarou a tese do marco temporal como inconstitucional. “Confiamos que o plenário da Corte não irá voltar atrás da sua decisão e se manterá ao lado dos povos indígenas e da democracia”, diz o coordenador executivo da Apib, Kleber Karipuna.
O movimento indígena convoca uma mobilização para esta segunda-feira, 23 de junho. A Apib convida organizações indígenas regionais e parceiros a se mobilizarem em seus territórios e redes sociais. O objetivo é pressionar e sensibilizar representantes dos três Poderes – Legislativo, Judiciário e Executivo – e impedir mais retrocessos aos direitos indígenas.
Proposta de Gilmar Mendes
Em fevereiro deste ano, o gabinete do ministro Gilmar Mendes apresentou uma minuta de proposta legislativa que prevê a retirada do marco temporal da Lei do Genocídio Indígena. Porém, o departamento jurídico da Apib aponta que o texto possui ao menos 10 retrocessos aos direitos indígenas, como: exploração em Terras Indígenas, mineração, consulta indígena enfraquecida, mudança nas demarcações, criminalização de retomadas, indenização de ocupantes não indígenas, interferência de Estados e Municípios, interferência de proprietários rurais, indenizações mais lentas e limite para revisão de Terras Indígenas.
De acordo com o site jornalístico InfoAmazonia, o artigo 21 da proposta do ministro, que trata da “exploração de minerais estratégicos”, foi inspirado em uma sugestão do advogado Luís Inácio Lucena Adams, representante do Partido Progressista (PP) na mesa de negociação. Adams também advoga para a Potássio do Brasil, mineradora canadense que obteve aprovação para instalar uma mina sobre um território reivindicado pelo povo Mura, no município de Autazes, Amazonas.
Retrospectiva
A Câmara de Conciliação foi criada pelo ministro Gilmar Mendes em abril de 2024, durante o Acampamento Terra Livre. Participam das audiências membros do Senado, da Câmara dos Deputados, do Governo Federal, governadores, representantes da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP).
Para a Apib, o ministro ignorou o movimento indígena, que solicitou a inconstitucionalidade e suspensão da lei até a finalização do julgamento no STF da ADI 7.582. Em outra ação, a Articulação pede que todos os processos que tratam do marco temporal tenham como relator o ministro Edson Fachin, visto que ele foi responsável pelo Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que tratou da Terra Indígena (TI) Ibirama La-Klãnõ, território do povo Xokleng.
Após o Supremo não atender às condições de participação dos indígenas na câmara, a Apib, em conjunto com suas sete organizações de base, se retirou da Câmara de Conciliação. Além da suspensão da lei, as organizações indígenas reivindicaram o reconhecimento da inadequação da criação da Comissão de Conciliação para tratar de ações que abordam a proteção dos direitos indígenas e a preservação da decisão do Supremo sobre o marco temporal.
“Neste cenário, a Apib não encontra ambiente para prosseguir na mesa de conciliação. Não há garantias de proteção suficiente, pressupostos sólidos de não retrocessos e, tampouco, garantia de um acordo que resguarde a autonomia da vontade dos povos indígenas. Nos colocamos à disposição para sentar à mesa em um ambiente em que os acordos possam ser cumpridos com respeito à livre determinação dos povos indígenas”, ressalta a Articulação no manifesto.
Sobre a APIB
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) é uma instância de referência nacional do movimento indígena, criada de baixo para cima. Ela reúne sete organizações regionais indígenas (Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa) e foi criada para fortalecer a união dos povos indígenas, a articulação entre as diferentes regiões e organizações, além de mobilizar contra ameaças e agressões aos direitos indígenas.