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28/08/2025 12h27
PCC articulou em MS e 7 estados sonegação de R$ 52 bilhões em combustíveis
Silvia Frias
Força-tarefa nacional, composta por cerca de 1,4 mil agentes, cumpre 315 mandados de busca e prisão em Mato Grosso do Sul e mais sete estados na Operação Carbono Oculto, que desarticula esquema fraudulento de combustíveis com infiltração de integrantes do PCC (Primeiro Comando da Capital).
De acordo com informações da Receita Federal, a estimativa é que cerca de mil postos de combustíveis movimentaram R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024, em um esquema que envolveu, ainda, ameaças de morte a donos de postos de combustíveis.
Em Mato Grosso do Sul, a operação tem como alvo uma empresa em Dourados e sete em Iguatemi.
A operação é comandada pelo MPSP (Ministério Público de São Paulo), por meio do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), e realizada em 54 cidades dos estados de MS, São Paulo, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Paraná, Rio de Janeiro e Santa Catarina. A PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) também ingressou com ações judiciais cíveis de bloqueio de mais de R$ 1 bilhão em bens dos envolvidos, incluindo imóveis e veículos, para a garantia do crédito tributário.
PF e Receita cumprem mandados contra 315 alvos, entre empresas e pessoas físicas (Foto/Divulgação)
Conforme informações do MPSP, 315 alvos, entre pessoas físicas e jurídicas, são suspeitos da prática de crimes contra a ordem econômica, adulteração de combustíveis, crimes ambientais, lavagem de dinheiro, fraude fiscal e estelionato. As irregularidades foram identificadas em diversas etapas do processo de produção e distribuição de combustíveis.
Um dos principais eixos da fraude investigada passa pela importação irregular de metanol. O produto, que chega ao país pelo Porto de Paranaguá (PR), não é entregue aos destinatários indicados nas notas fiscais. Em vez disso, é desviado e transportado clandestinamente, com documentação fraudulenta e em desacordo com normas de segurança, colocando em risco motoristas, pedestres e o meio ambiente. O metanol, altamente inflamável e tóxico, é direcionado a postos e distribuidoras, nos quais é utilizado para adulterar combustíveis, gerando lucros bilionários à organização criminosa.
Em várias redes investigadas, abrangendo cerca de 300 postos de combustíveis, foram detectadas fraudes tanto qualitativas quanto quantitativas. Consumidores estariam pagando por volumes inferiores ao informado pelas bombas (fraude quantitativa) ou por combustíveis adulterados fora das especificações técnicas exigidas pela ANP (Agência Nacional do Petróleo), caracterizando fraude qualitativa.
Conforme o MPSP, proprietários de postos de gasolina que venderam seus estabelecimentos comerciais não receberam os valores da transação e foram ameaçados de morte caso fizessem qualquer tipo de cobrança.
Rede criminosa – O produto e a sonegação eram realocados em uma complexa rede de interpostas pessoas que ocultavam os verdadeiros beneficiários em camadas societárias e financeiras, especialmente em shell companies, fundos de investimento e instituições de pagamento. Parcela substancial desses recursos sem lastro financiou a aquisição de usinas sucroalcooleiras e potencializou a atuação do grupo, que absorveu em sua estrutura criminosa distribuidoras, transportadoras e postos de combustíveis.
As transações financeiras do grupo transitavam por fintechs controladas pelo crime organizado, cujo portfólio de clientes era formado majoritariamente por empresas do setor. De acordo com os responsáveis pela investigação, a escolha por uma instituição de pagamento, em vez de bancos tradicionais, tinha como objetivo dificultar o rastreamento dos recursos.
As fintechs operavam com contabilidade paralela, permitindo transferências entre empresas e pessoas físicas sem que os beneficiários finais fossem identificados. Essas empresas também recebiam diretamente valores em espécie. Entre 2022 e 2023, foram efetuados pelo menos 10,9 mil depósitos em espécie, totalizando mais de R$ 61 milhões. Este é um procedimento completamente estranho à natureza de uma instituição de pagamento, que opera apenas dinheiro escritural.
A utilização de fintechs pelo crime organizado objetiva aproveitar brechas na regulação desse tipo de instituição. Essas brechas impedem o rastreamento do fluxo dos recursos e a identificação, pelos órgãos de controle e de fiscalização, dos valores movimentados por cada um dos clientes da fintech de forma isolada.
Além disso, de acordo com a Receita Federal, importadoras compravam no exterior nafta, hidrocarbonetos e diesel com recursos de formuladoras e distribuidoras vinculadas à organização criminosa. Somente entre 2020 e 2024, foram importados mais de R$ 10 bilhões em combustíveis pelos investigados. Por sua vez, formuladoras e distribuidoras, além de postos de combustíveis também vinculados à organização, sonegavam reiteradamente tributos em suas operações de venda.
A Receita Federal já constituiu créditos tributários federais de um total de R$ 8,67 bilhões em pessoas e empresas integrantes do esquema.
Auditores-fiscais da Receita Federal identificaram irregularidades em mais de mil postos de combustíveis distribuídos em 10 estados (SP, BA, GO, PR, RS, MG, MA, PI, RJ e TO). A maioria desses postos tinha o papel de receber dinheiro em espécie ou via maquininhas de cartão e transitar recursos do crime para a organização criminosa por meio de suas contas bancárias no esquema de lavagem de dinheiro.
A Receita Federal estima que, entre 2020 e 2024, a movimentação financeira desses postos foi de R$ 52 bilhões, com recolhimento de tributos muito baixo e incompatível com suas atividades. Os postos já foram autuados pela Receita Federal em mais de R$ 891 milhões.
Outros 140 postos foram usados de outra forma. Eles não tiveram qualquer movimentação entre 2020 e 2024, mas, mesmo assim, foram destinatários de mais de R$ 2 bilhões em notas fiscais de combustíveis. Possivelmente, essas aquisições simuladas serviram para ocultar o trânsito de valores ilícitos depositados nas distribuidoras vinculadas à organização criminosa.
Blindagem - O dinheiro de origem ilícita era reinvestido em negócios, propriedades e outros investimentos através de fundos de investimentos que recebiam recursos da fintech, dificultando sua rastreabilidade e dando a ele uma aparência de legalidade.
A Receita Federal já identificou ao menos 40 fundos de investimento (multimercado e imobiliários), com patrimônio de R$ 30 bilhões, controlados pela organização criminosa. Em sua maioria, são fundos fechados com um único cotista, criando camadas de ocultação.
Entre os bens adquiridos por esses fundos estão um terminal portuário, quatro usinas produtoras de álcool (mais duas usinas em parceria ou em processo de aquisição), 1.600 caminhões para transporte de combustíveis e mais de 100 imóveis, dentre os quais seis fazendas no interior do estado de São Paulo, avaliadas em R$ 31 milhões, e uma residência em Trancoso/BA, adquirida por R$ 13 milhões.
Os indícios apontam que esses fundos são utilizados como um mercado de ocultação e blindagem patrimonial e sugerem que as administradoras dos fundos estavam cientes e contribuíram para o esquema, inclusive não cumprindo obrigações com a Receita Federal, de forma que sua movimentação e a de seus cotistas fossem ocultadas da fiscalização.
A operação conta com apoio do Ministério Público Federal, por meio do Gaeco, das polícias Federal, Civil e Militar, Receita Federal do Brasil, Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, ANP e Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (PGE/SP), por meio do Grupo de Atuação Especial para Recuperação Fiscal (GAERFIS), além dos GAECOs do Ministério Público de cada estado.
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