Resíduos da indústria de diversos setores frequentemente representam um problema para a sociedade e o meio ambiente, já que podem ser tóxicos e poluir, por exemplo, a água e o solo. Uma pesquisa inovadora desenvolvida no Departamento de Ciências Florestais da Universidade Federal de Lavras (DCF/Esal/UFLA) busca oferecer uma alternativa sustentável aos resíduos da indústria de papel, produzindo hidrogéis à base de nanofibrilas de celulose (NFC) que podem ser utilizados em toda a escala produtiva de diversas culturas agrícolas.
Os testes de aplicação indicaram a efetividade do hidrogel na germinação de sementes, em substituição ao ágar (um tipo de substrato que contribui para o desenvolvimento da planta), e no enraizamento de mudas, substituindo a vermiculita (um mineral utilizado para melhorar as propriedades físicas e químicas dos substratos de cultivo), além de ser utilizado no plantio como alternativa a outros hidrogéis comerciais para culturas de café e eucalipto. Os hidrogéis podem ter o formato de discos ou microesferas, a depender da finalidade ou etapa de uso.
Além disso, as pesquisas indicam que os hidrogéis à base de nanofibrilas de celulose possuem excelente capacidade de armazenamento hídrico, chegando a absorver até 1500% de seu peso em água, o que contribui para mitigar os efeitos de estiagens nas lavouras, já que proporcionam a liberação gradual da água no solo. Os hidrogéis apresentaram, ainda, potencial para retenção de nutrientes e fertilizantes, garantindo uma liberação controlada desses substratos e reduzindo a poluição do solo devido ao uso indiscriminado de defensivos agrícolas.
“Esse é um produto que abrange o reaproveitamento de resíduos, a economia circular e a análise de ciclo de vida de produtos. Isso o torna extremamente sustentável, podendo ser um grande aliado da agricultura no enfrentamento às secas e às mudanças climáticas globais”, comenta o professor da Escola de Ciências Agrárias de Lavras (Esal/UFLA) Lourival Marin Mendes.
A pesquisa possibilita transformar resíduos comuns, como tubos de papelão, em materiais avançados com alto desempenho, com aplicações práticas e sustentáveis. A nanotecnologia empregada no estudo é inovadora pois, por meio da escala nanométrica, têm-se uma alta área superficial de contato, formando estruturas em gel mais fortes e estáveis. Essa formação de redes nanoestruturadas torna o hidrogel mais eficiente para uso agrícola.
Além dos resíduos de papel, como está sendo utilizado no estudo, a tecnologia para a produção de hidrogéis pode ser empregada em outros tipos de materiais celulósicos, como cascas e serragens, expandindo as possibilidades de reaproveitamento de outros resíduos dessa indústria.
Equipe e etapas da pesquisa
O estudo é uma iniciativa do grupo de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Biomateriais (PPGBiomat/UFLA), liderada pelo professor Lourival Marin Mendes. A pesquisa é conduzida por meio de uma parceria entre o Laboratório de Nanotecnologia (Complexo Biomat), sob responsabilidade do professor Gustavo Henrique Denzin Tonoli (Esal/UFLA), o Laboratório de Cultivo in vitro de Espécies Florestais, coordenado pelo professor Gilvano Ebling Brondani (Esal/UFLA), e o Viveiro Florestal, todos vinculados ao Departamento de Ciências Florestais da Universidade, que completa 45 anos do curso de graduação em Engenharia Florestal em setembro de 2025.“Ao longo de seus 45 anos de curso de graduação, o DCF implementou três programas de pós-graduação: Engenharia Florestal (1993), Ciência e Tecnologia da Madeira (2006) e Engenharia de Biomateriais. As dissertações e teses defendidas nesses programas resultaram em artigos de alto impacto, patentes, bem como tecnologias aplicadas aos setores florestal e agropecuário do Brasil e do mundo”, comenta o professor Lourival.

A equipe responsável por essa e diversas outras frentes da pesquisa é composta por docentes, bolsistas de pós-doutorado, discentes da pós-graduação e bolsistas de iniciação científica. O projeto é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e teve início em abril de 2024.
A primeira etapa da pesquisa foi a seleção e preparo da matéria-prima. Foram coletados tubos de papelão formados a partir de resíduos da indústria de papel, os quais foram processados em pequenos pedaços para aumentar a superfície de contato de cada uma dessas partes.
Em seguida, esse material é suspenso em água, a fim de garantir o entumecimento das fibras celulósicas do papel, ou seja, a sua dilatação. A massa de fibras obtida a partir disso é submetida a um pré-tratamento, cujo objetivo é facilitar o cisalhamento das fibras de celulose até a escala nanométrica e, posteriormente, a formação do hidrogel. É feito um estudo a fim de determinar qual pré-tratamento químico é mais eficaz, tendo sido explorados o tratamento alcalino com hidróxido de sódio, além de um processo de branqueamento livre de cloro, combinando hidróxido de sódio e peróxido de hidrogênio.
A segunda etapa consiste na aplicação de um processo mecânico de cisalhamento, em que é utilizado um equipamento chamado Grinder. Por meio dele, é obtida a nanofibrila de celulose, que tem aparência de um gel translúcido. A próxima etapa é a formulação do hidrogel. O material obtido no Grinder é combinado com alginato de sódio (um biopolímero que confere resistência e otimiza a absorção de água) e então submetido a processos de reticulação iônica (que ocorre quando cadeias poliméricas são ligadas por meio de interações iônicas, formando uma estrutura tridimensional) com cloreto de cálcio, formando discos e microesferas de hidrogel.
Com uma boa formulação do hidrogel, foram realizados testes de germinação de sementes de café no Laboratório de Cultivo in vitro de Espécies Florestais, bem como o enraizamento de mudas de eucalipto no Viveiro Florestal.
Atualmente, também está sendo verificada a biodegradabilidade do hidrogel, a fim de identificar precisamente sua durabilidade no solo natural. Para tanto, o hidrogel é enterrado em um solo com características conhecidas (é feita a análise do solo previamente), e o hidrogel é desenterrado em intervalos específicos de tempo para que se possa acompanhar sua perda de massa. Também está sendo analisada a entrega de micronutrientes, por meio do hidrogel, ao solo.
Um gargalo que a pesquisa ainda tenta resolver é a transformação do hidrogel em pó, mantendo um bom rendimento do produto e sua capacidade de reabsorção de água. Esse processo visa ao aprimoramento da logística, comercialização e conservação do produto até que ele chegue ao produtor. Nesse caso, o hidrogel é hidratado no momento do plantio e viabiliza sua comercialização em larga escala. Para que isso seja possível, os pesquisadores têm buscado formas de otimizar a formulação do hidrogel e testado diferentes métodos de secagem, como a técnica de spray dry.
Uma das ramificações do estudo tem analisado o reaproveitamento de outro resíduo, dessa vez da indústria de laticínios: o soro de leite. Esse resíduo tem se tornado um problema, principalmente para os pequenos produtores, quando não há excedente em quantidade suficiente para uma boa competitividade no mercado. A proposta é que o soro de leite substitua o cloreto de cálcio no processo de reticulação, já que o soro possui íons cálcio, que são os catalisadores necessários para promover a reticulação do hidrogel. Testes preliminares garantem esse potencial. Além disso, está sendo investigado se o soro de leite pode enriquecer o hidrogel em relação aos seus nutrientes, já que é rico em minerais, como cálcio, fósforo e potássio.
Também estão sendo realizadas pesquisas que abordam a caracterização da formulação do hidrogel, em que são feitas análises de composição química, reológica (que refere-se à deformação e fluxo de materiais) e o entumecimento de água. Todas as frentes de pesquisa mencionadas anteriormente estão sendo descritas em artigos científicos, já em processo de finalização para submissão. Além disso, o objetivo é que sejam geradas patentes das tecnologias utilizadas e dos produtos desenvolvidos por intermédio da UFLA.
"Atualmente, contamos com quatro pedidos de patente em fase de depósito, que abrangem principalmente tecnologias relacionadas à formulação e às suas aplicações como agentes de enraizamento e germinação. As patentes representam um importante instrumento de proteção e valorização do conhecimento gerado na Universidade, pois estimulam a inovação, fortalecem a transferência de tecnologia e contribuem para que as soluções desenvolvidas no ambiente acadêmico possam gerar benefícios concretos para a sociedade", comenta o pesquisador e um dos responsáveis pelos estudos Rafael Carvalho do Lago (PPGBiomat/UFLA).
Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig.