03/10/2025 04h28
Zico traz lição que "cala a boca" dos gênios quando assunto é ser líder
Após anos no futebol, foi preciso se reinventar e assumir o que achou que não era a “praia dele”
Por Natália Olliver
Ele é reverenciado como um dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro, mas Zico, ou Arthur Antunes Coimbra, sabe que a própria história vai muito além das 333 bolas na rede do Maracanã. Depois de anos como atleta, foi preciso se reinventar e assumir o que achou que não era “praia dele”, a liderança.
O assunto é tema da palestra que mistura a experiência de uma vida dedicada ao futebol, as conquistas, derrotas, lesões e aprendizados que o fizeram um líder de respeito, mesmo quando muita gente metida a "gênio" acha que ser um bom líder é preciso dom ou talento, quando na verdade muita gente esforçada faz gol na raça antes do talentoso.
O Rubro-Negro foi recebido por torcedores que fizeram questão de cantar o hino do time que consagrou o jogador e de levar blusas para o ex-atleta assinar durante a palestra no EmpreendeFest, nesta quarta-feira (1º). Zico conta que a liderança não é algo que venha com todo mundo de fábrica; alguns nascem com ela e outros vão aprimorando. No caso dele, foi a segunda opção.
“Eu achava que não tinha esse dom, e de repente, quando com o passar dos anos, com a experiência de viver no futebol, por exemplo, de outras pessoas que me ajudaram muito na minha carreira, eu pude retribuir isso e acabar me tornando uma pessoa que as pessoas escutam, que as pessoas acreditam”.
O Rubro-Negro relembrou como se tornou líder e mostrou fotos antigas no telão (Foto: Natália Olliver)
Zico recorda o momento em que se tornou capitão do Flamengo, quase por acaso. O titular da função saiu do time de surpresa e, por causa da experiência acumulada dentro do campo e da postura profissional, Zico foi escolhido pelos próprios companheiros.
“Minha liderança aconteceu por acaso. O ‘nós’ sempre veio antes do ‘eu’. No mundo individualista de hoje, onde todo mundo quer se destacar, no esporte não cabe isso. Um bom líder sabe ouvir, pensa no coletivo, inspira as pessoas e assume responsabilidades.”
E o exemplo não ficava só nos treinos. Ele lembra dos detalhes que, muitas vezes, passam despercebidos: os escanteios cobrados durante anos, a disciplina nos treinos de faltas, a entrega em cada movimento.
“Muito do que ficou na minha carreira foram os treinamentos, as cobranças. Todos achavam que eu fazia por fazer, mas não. Eram duas vezes por semana, umas 70 faltas por treino. Além do dom, as pessoas esperavam excelência.”
Zico acredita que liderança é dom, mas que também pode ser aprimorada, como ele fez (Foto: Paulo Francis)
O caminho nem sempre foi fácil. Lesões graves no joelho e, mais tarde, no quadril, derrotas que marcaram e a pressão de jogar pelo Flamengo e pela seleção brasileira exigiram força.
“O desafio maior foi quando tive um problema no joelho. Estive a ponto de parar de jogar. Foram nove meses de recuperação, como se fosse uma gravidez. Mas deu certo, voltei e continuei”, lembra.
Para Zico, a liderança vai muito além de dar ordens dentro de campo. Ele identifica três tipos de líderes que encontrou ao longo da carreira: o líder técnico, que guia pelo conhecimento e pela estratégia; o líder paternal, que se preocupa com a vida pessoal dos jogadores; e o líder motivador, aquele que nunca deixa a equipe desanimar, mesmo nos momentos mais difíceis.
“Os momentos mais complicados foram os que mais me ensinaram e me ajudaram a crescer no futebol”, lembra. Inclusive, ele fala sobre suas derrotas que deixaram marcas. A primeira foi a derrota com a seleção brasileira na Copa do Mundo de 1982.
Apesar de o time ser admirado e de muitos anos de conquistas brilhantes, naquele jogo o Brasil perdeu para um adversário que não estava em seu melhor momento. “Foi uma decepção que marcou”. A segunda derrota inesquecível aconteceu ainda no Flamengo, em 1977, quando o time perdeu para o Vasco no Campeonato Carioca.
Zico conta que a liderança proporcionou oportunidades únicas de também formar líderes (Foto: Natália Olliver)
Zico conta que é uma mistura dos três líderes citados e que não se contentava apenas com os treinos dentro do campo. A convivência, o cuidado com os atletas e a formação de líderes também faziam parte.
“Queria que meus atletas fossem líderes. Hoje vejo que muita coisa mudou: os jogadores chegam de fones de ouvido e ficam calados nos vestiários. Na minha época, tomávamos café juntos, conversávamos, trocávamos experiências. Ninguém vai saber com quem eles jogaram há 10 anos.”
A carreira o levou ainda ao Japão e à Turquia para mostrar profissionalismo e coletividade dentro e fora do campo.

“Eu sempre disse que não seria treinador porque era uma profissão muito cansativa. Fui mordido pela mosca azul e uma das grandes realizações foi no Japão e na Turquia. Sempre pensava em estar no meu melhor para dar o melhor pro time.”
Hoje, longe dos gramados, Zico se dedica a inspirar outros com histórias de disciplina, superação e liderança. Mas a paixão pelo futebol permanece intacta e sem arrependimentos. “Minha profissão me rendeu uma cirurgia no quadril e algumas no joelho, mas se tivesse que fazer tudo de novo, eu faria.”

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