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Criptoativos, bioinsumos e fundos: a nova engenharia fiscal do governo


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20/10/2025 08h41

Criptoativos, bioinsumos e fundos: a nova engenharia fiscal do governo

Matheus Kniss


A Reforma Tributária, ainda pendente de regulamentação em múltiplas frentes, ainda gera preocupações no cenário empresarial brasileiro. Embora alegue que não existem preocupações com metas fiscais, movimentação do Governo Federal sugere urgência no cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal

  1. O cenário atual e os propósitos de equiparação

Ao contrário do que se pode imaginar, a Reforma Tributária não está restrita à Emenda Constitucional n. 132/2023. De 2023 em diante, foram introduzidas várias normativas tendentes ao acréscimo de arrecadação e à tributação de itens, relações e operações. Mesmo quando não se cria um novo tributo, redesenha-se o que já existe — e sempre com o objetivo de ampliar a base de arrecadação.

Nesse particular, citam-se a tributação de fundos exclusivos e de offshores (Lei n. 14.754/2023), a famigerada “taxa das blusinhas” (cobrança de tributos sobre compras internacionais de pequeno valor, especialmente via plataformas digitais) e a revisão de benefícios fiscais ou processuais (voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF, a pretensão de tributação de JCP, LCA, LCI, debêntures ou de revisão de compensação de créditos tributários).

Ainda nesse cenário de pressões fiscais e compromissos orçamentários crescentes, a Fazenda Nacional ensaia novas rodadas de reconfiguração tributária, mirando setores emergentes e ativos financeiros com apetite técnico e precisão política. É o caso de medidas provisórias ou projetos de lei que, por exemplo, ampliam o alcance da tributação sobre ativos digitais e instrumentos financeiros, com foco em arrecadação e controle fiscal.

Embora seja inegável que o mercado exige regulamentação para a proteção de consumidores e investidores, os ativos digitais já foram abrangidos pela L14754, que passou a considerá-los aplicações financeiras para fins de tributação, equiparando-os a outros instrumentos de investimento, como ações e fundos.

O Projeto de Lei n. 4.308/2024 pretende equiparar as stablecoins a operações de câmbio, equiparando-as ao IOF. A Receita Federal do Brasil (RFB) já trata criptoativos como ativos sujeitos à declaração e à tributação sobre ganho de capital com o advento da Instrução Normativa n. 1.888/2019. Por sua vez, os tribunais e a doutrina vêm aplicando sobre tais ativos regras de tributação de fundos de investimento e valores mobiliários, especialmente quando operados por pessoas jurídicas. A lógica é que, mesmo sem regulamentação específica, o efeito econômico da operação justifica a incidência tributária, conforme o art. 51, da Lei n. 7.450/1985.

  1. Medida Provisória n. 1.303/2025

A MP 1.303/2025 propõe a criação de Regime Especial de Regularização de Ativos Virtuais (RERAV), e vai além da substituição do IOF. Haveria regime especial de regularização de criptoativos não declarados, com tributação reduzida e atualização patrimonial, além de ajustes em alíquotas que afetam diretamente o mercado financeiro, o setor agroindustrial e a compensação de créditos tributários.

O novo regime permitirá que investidores atualizem o valor de seus ativos virtuais para o preço de mercado ao final de 2025, pagando 7,5% de imposto de renda (IR) sobre a diferença positiva. Para aqueles que ainda não declararam, a regularização poderá ser feita mediante o pagamento da mesma alíquota sobre o estoque total. O prazo de adesão será de 180 dias após a regulamentação, com possibilidade de prorrogação.

A medida cumpre duas funções: ampliar a arrecadação e viabilizar compensações exigidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. O governo estima que a regularização de criptoativos e outras alterações propostas podem gerar mais de R$ 30 bilhões em receitas entre 2025 e 2026. Parte desse montante será utilizada para neutralizar renúncias fiscais já previstas, como aquelas destinadas à indústria química e às vítimas do Zika vírus (não há indicativos de que a MP contemplaria a ampliação da faixa de isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais, que, segundo o Ministério da Fazenda, será custeada pela tributação adicional de supersalários).

Além dos criptoativos, o texto modifica pilares sensíveis da estrutura tributária.

A limitação à compensação de créditos tributários, com exceções para operações societárias, é apontada como uma das medidas de maior impacto arrecadatório. A proposta também zera as alíquotas de PIS e COFINS sobre bioinsumos agropecuários, sinalizando uma política de incentivo à produção sustentável.

No campo dos investimentos, o projeto redesenha a tributação de diversos instrumentos financeiros. Letras de crédito do agronegócio e imobiliárias passam a ter alíquota de 7,5% a partir de 2026. Certificados de recebíveis e debêntures incentivadas mantêm isenção para pessoas físicas, mas passam a ser tributados na fonte em 17,5% para pessoas jurídicas. Fundos imobiliários e FIAGROS com mais de cem cotistas também permanecem isentos.

A proposta consolida ainda uma alíquota fixa de 17,5% para rendimentos de aplicações financeiras, preservando a possibilidade de compensação entre ganhos e perdas em diferentes modalidades. Juros sobre capital próprio passam a ser tributados em 20%, e a CSLL é elevada para instituições financeiras, com alíquotas que chegam a 20% para sociedades de crédito.

  1. Conclusão

O conjunto de medidas revela uma engenharia fiscal sofisticada, mas também levanta preocupações legítimas: a recorrente reinterpretação de bases tributárias, ainda que tecnicamente fundamentada, pode sinalizar uma tendência de instabilidade normativa e de expansão silenciosa da carga tributária. O risco não está apenas na criação de novos tributos, mas na constante mutação dos existentes — o que exige atenção redobrada no planejamento financeiro e nas provisões dos exercícios financeiros.

Matheus Kniss — especialista em planejamento sucessório e patrimonial, negócios e reestruturações societárias no Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica.

 

Matheus Kniss Pereira
Matheus Kniss Pereira
Divulgação




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