- mell280
28/11/2025 14h08
O dia que virou um mês: como o Brasil transformou a Black Friday em um fenômeno bilionário e mais poderoso que nos EUA
"Com décimo terceiro no bolso, apetite por descontos e novos hábitos digitais, o brasileiro transformou a Black Friday em uma temporada que muda o rumo do varejo, redesenha a estratégia das marcas e antecipa o Natal"
A Black Friday desembarcou no Brasil em 2010 de forma tímida, quase experimental. Eram cerca de 50 lojas online tentando replicar um movimento americano que, até então, parecia distante da rotina do consumidor brasileiro. Foi só questão de tempo para que o país fizesse aquilo que faz melhor: pegar uma boa ideia, adaptar ao próprio ritmo e expandir até virar um fenômeno cultural e econômico.
Hoje, 14 anos depois, a Black Friday brasileira não só se consolidou como deixou de ser uma sexta-feira. Virou Black Week, avançou para Black November, e evoluiu para uma espécie de “pré-Natal oficial” do varejo e um dos períodos de maior circulação de capital no país e essa transformação não é intuitiva: é matemática.
Em 2024, segundo dados do E-Commerce Brasil, o período da Black Friday movimentou R$ 9,38 bilhões, um crescimento de 10,7% na comparação com 2023. No varejo físico, o índice ICVA registrou alta de 17,1%. E para 2025, as estimativas da ABIACOM (Associação Brasileira da Indústria e Comércio Eletroeletrônico) projetam um salto para R$ 13,34 bilhões apenas no ambiente digital.
Além disso, pesquisas mostram que o brasileiro está planejando mais: dados da CNDL/SPC Brasil indicam que 70% dos consumidores já usam a Black Friday para antecipar compras de Natal, e outros 54% afirmam guardar dinheiro o ano inteiro para aproveitar novembro. É um novo comportamento, condicionado por um mercado mais competitivo e por uma janela econômica muito particular: injeção do décimo terceiro, clima de festa chegando e um consumidor que se informa cada vez mais antes de decidir.
No Brasil, novembro é quase uma temporada. E essa temporada é lucrativa.
A Black Friday brasileira mudou e trouxe novos setores para o jogo
Se nas primeiras edições a briga era por televisores, smartphones e eletrodomésticos, hoje o Brasil tem um cenário muito mais diversificado. Com o consumidor aquecido, cada vez mais marcas tentam capturar seu pedaço desse bolo bilionário.
Até o fast-food entrou de vez na disputa.
O Bob’s, por exemplo, aposta em campanhas gamificadas de descontos progressivos, onde clássicos serão comercializados a R$ 1, estratégia que conversa com um consumidor já acostumado ao modelo de “missões”, “experiências” e recompensas. Burger King e McDonald’s também reforçam suas ofertas agressivas, entendendo que a Black Friday deixou de ser sobre eletro e passou a ser sobre estar presente na jornada de compra do cliente.
“O cliente está transitando no online, mas também nos shoppings e centros comerciais em busca de promoção. A marca que quer relevância precisa estar com ele nessa jornada completa. Oferecer clássicos queridos por preços atrativos é estratégico porque captura tanto a compra planejada quanto o impulso”, afirma Renata Brigatti Lange, diretora de Marketing do Bob’s.
As marcas ligadas ao Natal também perceberam a mudança. Kopenhagen e Brasil Cacau, por exemplo, passaram a usar novembro para antecipar vendas de panetones, chocolates e kits de presente algo que, historicamente, só ganhava tração em dezembro.
“Por muitos anos, produtos natalinos não faziam parte das ações de Black Friday. Mas, analisando o comportamento do consumidor, vimos que o apetite de compra e o capital disponível em novembro criam o momento ideal para dar um impulso nas vendas de Natal. Ano após ano, essa data se torna uma fortaleza no nosso calendário”, explica Renata Vichi, CEO do Grupo CRM.
O curioso é que o movimento não se limita ao varejo tradicional.
Até marcas de luxo e lazer premium já disputam atenção do consumidor. A Sea-Doo, líder global em motos aquáticas, entrou na Black Friday com modelos de entrada promocionados uma estratégia que mira consumidores de regiões litorâneas ou cidades com rios navegáveis.
“A moto aquática, principalmente em regiões costeiras, é mais do que lazer: é transporte, é fonte de renda para muitos. Nossos modelos de entrada se tornam ferramentas essenciais no dia a dia. Aproveitar janelas em que o consumidor está mais capitalizado tem sido muito assertivo. Já pensando no target com ticket médio mais alto um Sea-Doo é uma excelente opção de presente de Natal”, diz Michael Codd, General Manager da Sea-Doo no Brasil.
O caso Kärcher: quando a Black Week vira o Natal da empresa
Entre os cases mais emblemáticos da força da Black Friday no país está o da Kärcher, líder global em soluções de limpeza. A marca trata a Black Week como seu “Natal brasileiro” tamanha a relevância comercial do período.
Somente nesses 10 dias, a empresa chega a movimentar mais de 10% do faturamento anual, que em 2025 deve bater R$ 1Bi, impulsionando especialmente a venda de lavadoras de alta pressão, robôs aspiradores e soluções para pets.
A empresa atribui o desempenho à combinação de fatores: maturidade digital, forte presença em marketplaces, comportamento de busca orientado por informação e uso de inteligência artificial para prever demanda, ajustar portfólio e personalizar ofertas. A IA se tornou, segundo a própria companhia, “o mapa do consumidor”.
“A Black Week é o momento em que todos os nossos esforços digitais convergem. Usamos dados e IA para antecipar o comportamento do consumidor, ajustar estoque e entregar exatamente o que ele procura. Isso explica por que esses dez dias respondem por mais de 10% do faturamento anual”, destaca Vinicius Marin, Gerente de E-commerce da Kärcher no Brasil.
Por que o Brasil fez a Black Friday “melhor” que os EUA
Nos Estados Unidos, a Black Friday ainda gira em torno de um único dia, seguido pela Cyber Monday. No Brasil, virou temporada com diversidade, criatividade e força multissetorial.
Aqui, temos:
- mais categorias (do fast-food ao luxo)
• mais tempo de ativação (semanas, não dias)
• mais integração entre online e físico
• mais uso de IA e dados para personalização
• um consumidor mais planejado e informado
E há um ponto-chave: ao contrário dos norte-americanos, que fazem compras pós-Thanksgiving, o brasileiro recebe o 13º salário justamente quando as campanhas começam. É um impulso de capital que alimenta toda a cadeia.
O resultado é simples: quem não planeja novembro como parte do trimestre corre o risco de perder relevância e faturamento.
A Black Friday deixou de ser um evento promocional e virou um capítulo decisivo do ano fiscal.
Novembro é o novo início do Natal e ignorá-lo custa caro
O Brasil não apenas adotou a Black Friday: reinventou. Transformou a data em um ecossistema que atravessa indústrias, faixas de preço, canais e hábitos. Para algumas marcas, novembro representa oportunidade. Para outras, sobrevivência.
O fato é que, com R$ 13 bilhões previstos em vendas digitais para 2025 e uma crescente integração entre oferta, dados e comportamento, a Black Friday brasileira se consolida como uma das maiores forças econômicas do varejo nacional.
E quem ainda acha que ela dura só 24 horas está perdendo, literalmente, um mês inteiro de oportunidades.


