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Javalis mudam rotina em fazendas, provocam perdas na safra e danos ambientais


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15/11/2025 08h57

Javalis mudam rotina em fazendas, provocam perdas na safra e danos ambientais

Sem predadores, malhadas se multiplicam, destroem plantações e ameaçam nascentes no Estado

Por Inara Silva


Javalis flagrados em meio a lavoura (Foto: Matam/Divulgação)

 De fazendas de soja e milho a áreas turísticas de Bonito, passando por encostas de rios e APPs (Áreas de Proteção Permanente), a presença do javali tornou-se uma ameaça constante em Mato Grosso do Sul. Os relatos vão de prejuízos agrícolas e danos ambientais ao surgimento de onças. Sem predadores naturais, com reprodução explosiva e grande capacidade de adaptação a qualquer bioma, a espécie avança mais rápido que as ações de controle disponíveis. Produtores, ambientalistas e entidades concordam que o problema é grave e crescente.

 
 
Nas fazendas Santa Maria, em Itaum, distrito de Dourados, e Belo Monte, em Aquidauana, a engenheira agrônoma Joanita Yara Rockenbach soma, safra após safra, perdas causadas pelas malhadas. Os javalis atacam ainda na linha de plantio, reviram o solo, comem o adubo e destroem a germinação dos grãos, como ocorre com a soja. No milho, o dano aparece no plantio e na fase de formação das espigas.
 
Javali gigante é abatido em ação de controle ambiental no interior de MS
Em talhões de 120 hectares, cerca de 20 hectares são arrasados pelos animais. A produtora rural afirma que há vizinhos que já perderam até 60 hectares em uma única safra.
 
O avanço dos javalis afetou diretamente a rotina das fazendas de Joanita. Em Aquidauana, por exemplo, ela deixou de plantar milho há dois anos para tentar afastar as malhadas. As encostas e divisas dos talhões também se tornaram áreas de risco. A produtora relata que, em talhões que variam entre 111 e 120 hectares, o javali consegue destruir cerca de 20 hectares.
 
 
A presença de matas, várzeas e rios, como o rio Santa Maria, que corta a propriedade em Itaum, favorece o abrigo e a reprodução dos animais. “Eles se banham, pisoteiam, fuçam a terra e se isolam por ali para parir”, conta.
 
Controle – Em vários municípios, equipes particulares percorrem propriedades com cães de caça para tentar afastar os grupos. Já o controle oficial é realizado somente por CACs (Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores), autorizados pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e pela Polícia Federal. Atualmente, o Estado dispõe de 11 mil CACs habilitados para o controle do javali.
 
De acordo com o vice-presidente do IASB (Instituto das Águas da Serra da Bodoquena), João Gomes, que também é CAC, hoje eles abatem entre 8% e 10% dos animais existentes no Estado. Em operações de fim de semana, equipes conseguem eliminar até dez javalis, mas o número ainda está longe de frear o avanço.
 
 
Presença de onças – Além das perdas econômicas, Joanita tem testemunhado o aumento da presença de onças. Segundo ela, os felinos passaram a circular com mais frequência em suas duas fazendas, atraídos pela oferta de alimento. A orientação da proprietária é que nenhum funcionário circule de moto à noite. “Antes dos javalis, eu nunca tinha registrado onças em Itaum”, afirma.
Javalis mudam rotina em fazendas, provocam perdas na safra e danos ambientais
 
Javalis provocaram perdas na lavoura de milho. (Arquivo Pessoal)
Na noite anterior à entrevista, por volta das 21h, funcionários pulverizavam fungicida na Fazenda Santa Maria quando avistaram uma onça e tiveram de interromper o manejo imediatamente.
 
Prejuízos – De acordo com a consultora técnica da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), Fernanda Lopes de Oliveira, os relatos de perdas são crescentes e a federação acompanha a situação “com preocupação”, orientando os produtores.
 
 
Embora o Estado ainda não tenha um levantamento oficial e consolidado sobre os prejuízos econômicos causados pelos javalis, estudos locais dão a dimensão do problema. Fernanda cita levantamento da Embrapa Pantanal, realizado em Rio Brilhante em 2022, que identificou perdas de até 30% em talhões de milho atacados pelos animais. Em outras regiões, a redução média da produção chega a 10% nas áreas afetadas.
 
As perdas, segundo Fernanda, não se limitam às lavouras. “O revolvimento do solo pelos animais provoca erosão, degrada nascentes e compromete a recuperação de áreas produtivas”, afirma.
 
A consultora destaca ainda o risco sanitário para a suinocultura, que exige investimentos em biosseguridade para evitar o contato entre animais domésticos e javalis, vetores de doenças de alto impacto econômico.
 
 
Articulação – Por isso, a Famasul tem buscado ampliar a articulação com órgãos públicos e instituições responsáveis pelo controle do javali. “A orientação prática da Famasul tem sido articular o controle em conformidade com as normativas, acompanhar as tratativas junto ao governo, assim como os projetos de lei que tramitam nas esferas estadual e federal”, explica Fernanda.
 
A Federação integra diversos órgãos colegiados e atualmente é vice-coordenadora da Câmara Técnica “Conflitos de Coexistência entre Populações Humanas e Javalis/Javaporcos”, ligada ao III Fórum Estadual de Mudanças Climáticas de Mato Grosso do Sul. O espaço reúne instituições públicas, privadas e representantes da sociedade civil para discutir soluções estruturais.
 
 
Além disso, a entidade acompanha os projetos de lei em tramitação na Assembleia Legislativa que reconhecem o javali como praga invasora e estabelecem diretrizes técnicas para o Estado. O milho é a cultura agrícola mais atacada, mas Fernanda relata ocorrências também em áreas de soja, cana-de-açúcar e pastagens.
 
 
Bonito – Segundo o vice-presidente do IASB, além dos riscos às lavouras, os javalis têm causado impactos ambientais severos e ameaçado nascentes, inclusive em Bonito, um dos principais destinos turísticos do país. João Gomes, que também integra o Condema (Conselho Municipal de Meio Ambiente de Bonito), afirma que “o bicho é muito perigoso, causa danos à fauna, à flora, às plantações de soja e de milho”. Ele lembra que o animal é reconhecido oficialmente como espécie exótica invasora.
 
Gomes explica que os javalis gostam de pisotear áreas úmidas, como as diversas nascentes encontradas em Bonito. Os impactos imediatos incluem turbidez da água e destruição da vegetação protetora. “Isso causa a erosão do solo, que, com as chuvas, leva lama para os rios, provocando assoreamento e deixando as águas turvas”, alerta.
 
Um exemplo citado é o da Fazenda Cerradinho, onde uma nascente secou pela primeira vez. Os javalis chegaram à região há cerca de quatro anos. O local abastece a bacia do rio Mimoso e do córrego Seco.
 
Javalis mudam rotina em fazendas, provocam perdas na safra e danos ambientais
 
Área plantada pisoteada pelos javalis (Foto: Arquivo pessoal)
Câmara Técnica – Para Gomes, o debate sobre o controle do javali frequentemente é recebido com insegurança pela população, pois envolve o tema da caça e ganhou força após a criação da Câmara Técnica de Bonito, que discute políticas públicas e ajustes na legislação.
 
O grupo é composto por diversas instituições, incluindo o IASB e a Famasul, e tem trabalhado na revisão de normativas e na criação de estratégias que tornem o controle mais efetivo. O desafio, segundo Gomes, é equilibrar segurança, preservação ambiental e a sobrevivência econômica de quem depende da terra.
 
Ele esclarece que o javali tem uma impressionante capacidade de adaptação: suporta desde temperaturas altas até neve. “O javali já está no Pantanal”, afirma, ao acrescentar que o IHP (Instituto do Homem Pantaneiro) registrou recentemente um macho adulto na Serra do Amolar.
 
 
A taxa de reprodução é outro agravante. Cada fêmea pode ter até 16 filhotes por cria, chegando a realizar três crias por ano. À noite, os animais se deslocam para lavouras, cochos de gado e áreas abertas em busca de alimento. “O javali não possui predadores no Brasil”, reforça Gomes.
 




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