- mell280
07/08/2025 11h56
Suco de laranja fora da tarifa de Trump: o alívio que evitou um colapso bilionário no agro brasileiro
Decisão dos EUA de isentar o suco de laranja da sobretaxa de importação imposta por Trump preserva uma das cadeias produtivas mais relevantes do Brasil. Para Leandro Avelar, CEO da JPA Agro, é preciso separar comércio e diplomacia para proteger o futuro do agro
Um impacto que poderia ser devastador e foi parcialmente evitado. A recente decisão do governo norte-americano de isentar cerca de 700 produtos da nova tarifa de importação de 50% imposta por Donald Trump trouxe alívio a diversos setores da economia brasileira, mas nenhum deles sentiu tanto o impacto (ou o alívio) quanto o mercado de suco de laranja. O produto, responsável por mais de 42% das exportações brasileiras para os EUA, havia sido inicialmente incluído na tarifa extra, mas foi posteriormente retirado da lista em uma decisão estratégica para ambos os países.
“Se o mercado americano fosse fechado para o suco de laranja brasileiro, o prejuízo seria gigantesco para as indústrias e para o campo. Felizmente, a exclusão do item da tarifa evitou um colapso. Ainda assim, é um sinal de alerta”, avalia Leandro Avelar, CEO da JPA Agro, marketplace de agro e referência em inteligência de mercado no setor.
O suco que movimenta bilhões e sustenta cadeias produtivas inteiras
O mercado de suco de laranja é um dos mais relevantes do agro brasileiro. Empresas como Cutrale (a maior do mundo), Citrosuco (ligada ao grupo Votorantim) e a francesa Louis Dreyfus Company são responsáveis por movimentar bilhões anualmente com exportações, boa parte para os EUA. Essas companhias possuem inclusive unidades de operação em solo americano, o que facilitou as negociações de isenção com o governo dos EUA.
De acordo com Leandro, essa relação consolidada explica a manutenção do canal de exportação: “essas indústrias têm operação direta nos EUA, o que ajudou na abertura do diálogo e na negociação para manter a fluidez comercial. Mas isso não é garantia de estabilidade a longo prazo. O Brasil precisa estar atento.”
Os produtos isentos, os prejudicados e o que ainda está em jogo
Entre os itens agrícolas brasileiros que escaparam da sobretaxa estão: fertilizantes, madeira tropical, castanha-do-brasil, polpa de madeira, sisal e o próprio suco de laranja. Por outro lado, carne bovina, frutas frescas, café, manga, cacau e abacaxi permanecem sob impacto tarifário elevado.
Para Leandro, há espaço para negociação futura. “O secretário de Comércio dos EUA já sinalizou a possibilidade de tarifa zero para alimentos que o país não produz internamente. Isso pode abrir caminho para novos acordos, e o Brasil precisa estar pronto para aproveitar essa janela. Mas, até lá, setores importantes do agro continuarão pressionados”.
A pressão, segundo ele, é especialmente preocupante para pequenas e médias empresas exportadoras, que já operam com margens apertadas e têm nos EUA um de seus mercados mais valiosos.
O executivo também chama atenção para o impacto das tarifas em setores industriais brasileiros, já que quase 47% das exportações totais brasileiras para os EUA estão agora dentro da lista de isenção, com destaque para produtos manufaturados, que são justamente o que o Brasil mais envia ao mercado norte-americano, em contraste com a pauta mais agrícola exportada para a China.
A importância da previsibilidade para pequenos e médios exportadores
A instabilidade nas relações comerciais afeta diretamente milhares de empresas brasileiras, muitas delas de pequeno e médio porte, que dependem do mercado externo. Leandro relata o caso de um cliente da JPA Cred que exporta R$800 mil por mês em compensados de madeira para os EUA, um valor que representa quase metade de seu faturamento.
“Essas empresas não têm estrutura para suportar choques tarifários. A previsibilidade nas relações comerciais é o que garante crédito, expansão e geração de empregos no campo e nas cidades”, explica.
Comércio e política: duas caixas que precisam ser separadas
Para além das tarifas, o CEO da JPA Agro aponta outro ponto crucial: a necessidade de separar a diplomacia comercial das disputas políticas e judiciais entre os países. Em sua leitura estratégica, o Brasil precisa tratar as relações econômicas com maturidade e foco nos resultados.
“O Brasil precisa tratar essa relação comercial com os EUA em uma ‘caixa’ separada da caixa da política. É isso que vai permitir acordos sustentáveis e previsíveis. Não podemos deixar disputas institucionais contaminarem nossa principal relação de exportação de valor agregado. Os EUA são nosso segundo maior cliente e o que gera mais margem. Não é nada positivo alimentar atrito com um parceiro tão estratégico.”
Além da política externa, Leandro também destaca que o Brasil também precisa olhar para dentro. Melhorar a competitividade estrutural é essencial para não apenas manter, mas expandir sua presença global. “Por que temos medo de disputar mercado com os EUA? Porque nossas empresas enfrentam carga tributária excessiva, legislação trabalhista ultrapassada e alto custo logístico”, afirma.
Ele lembra que o Brasil concentra 30% de todas as disputas trabalhistas do mundo, embora tenha apenas 2% da população global, um dado alarmante que mostra o tamanho do problema regulatório que limita a expansão de empresas nacionais no mercado externo.
“Temos uma das maiores cargas tributárias do mundo, uma legislação trabalhista ainda hostil ao empreendedor e uma infraestrutura que ainda engessa a logística. Isso explica por que empresas americanas muitas vezes são mais competitivas e o ambiente de negócios lá é mais amigável”, analisa.
E agora? O que esperar dos próximos meses
Apesar do alívio parcial, a situação exige cautela. Leandro destaca que a diplomacia econômica deve continuar ativa, especialmente para garantir a isenção futura de produtos ainda tarifados, como o café, que representa 17% das exportações brasileiras para os EUA.
No entanto, o contexto também abre espaço para oportunidades. O governo americano já sinalizou disposição para manter canais abertos para alimentos estratégicos. O Brasil, ao que tudo indica, pode se beneficiar disso com uma boa articulação.
“É o momento de deixar o confronto de lado e negociar com inteligência. Precisamos defender nossos interesses, sim, mas com estratégia, protegendo o comércio como um ativo nacional, afinal, o agro brasileiro é importante para o mundo. Mas para consolidar esse papel, precisamos de segurança jurídica, previsibilidade comercial e políticas que incentivem a produtividade. Só assim o Brasil será visto como parceiro confiável”, conclui Leandro.