31/10/2025 18h08
Médicos Sem Fronteiras alerta: população em El Fasher, no Sudão, enfrenta atrocidades em massa
Pessoas que conseguiram escapar da cidade relataram à organização que civis estão sendo aprisionados, submetidos a massacres, torturas, violência sexual e sequestros
Médicos Sem Fronteiras (MSF) denuncia as terríveis atrocidades e assassinatos em massa, tanto indiscriminados quanto étnicos, que ocorreram nesta semana no Sudão, na cidade de El Fasher e arredores. Reiteramos nossa preocupação de que milhares de pessoas permaneçam em grave perigo e sendo impedidas pelas Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês) e seus aliados de chegar a áreas mais seguras, como Tawila, onde trabalhamos.
Desde 26 de outubro de 2025, quando El Fasher — capital do estado de Darfur do Norte – foi tomada pelas Forças de Apoio Rápido, após 17 meses de cerco e ataques contínuos, as equipes de MSF na cidade de Tawila, localizada a 60 quilômetros da linha de frente dos combates, prepararam-se para atender um fluxo em massa de pessoas deslocadas e feridas.
Nos últimos meses, um número expressivo de pessoas fugiu para Tawila após a escalada da violência em El Fasher, onde ainda viviam cerca de 260 mil habitantes até o final de agosto, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). No entanto, nos últimos cinco dias, somente cerca de 5 mil pessoas conseguiram chegar a Tawila, de acordo com agências humanitárias que atuam na região. Às equipes, elas disseram que presenciaram massacres e que muitas pessoas estão presas, sendo submetidas a tortura, sequestros para obtenção de resgate, violência sexual e execuções sumárias em El Fasher, nas cidades vizinhas e também ao longo das rotas de fuga.
"Os números de chegadas não batem, e os relatos de atrocidades em larga escala estão aumentando. Onde estão todas as pessoas que estão desaparecidas, as pessoas que já têm sobrevivido a meses de fome e violência em El Fasher?", questiona Michel Olivier Lacharité, coordenador de emergências de MSF.
"Com base no que os pacientes nos dizem, a resposta mais provável, embora assustadora, é que as pessoas estão sendo mortas, aprisionadas e perseguidas ao tentar fugir. Pedimos urgentemente às RSF e aos grupos aliados que poupem os civis e permitam que eles se desloquem para áreas seguras. Também apelamos para que todas as partes diplomáticas interessadas, incluindo EUA, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Egito, usem sua influência para parar o banho de sangue", acrescenta Lacharité.
Entre 26 e 28 de outubro, recém-chegados de El Fasher, principalmente mulheres, crianças e idosos com níveis catastróficos de desnutrição, foram levados a Tawila de caminhão. Outras pessoas, incluindo vítimas de tiros, viajavam a pé, escondendo-se durante o dia e caminhando à noite para evitar homens armados nas estradas principais.
Todas as 70 crianças menores de 5 anos que chegaram a Tawila no dia 27 de outubro estavam com desnutrição grave e 57% delas estava com desnutrição aguda grave. No dia seguinte, nossa equipe examinou 120 homens que chegavam de El Fasher, e 20% deles apresentavam quadro de desnutrição aguda grave. Esses indicadores chocantes apontam para a pura agonia imposta à população de El Fasher e arredores. A fome foi declarada na região há mais de um ano e, desde então, o acesso a alimentos e suprimentos vitais está cada vez mais restrito, com as pessoas dependendo de ração animal para sobreviver.
Várias testemunhas oculares relataram a MSF que um grupo de 500 civis, bem como soldados das Forças Armadas e Forças Conjuntas do Sudão, tentaram fugir no dia 26 de outubro, mas que a maioria deles foi morta ou capturada pelas RSF e aliados. Os sobreviventes disseram que as pessoas foram separadas por sexo, idade ou grupo étnico, e que muitas foram mantidas como reféns, com pedidos de resgaste variando de 5 milhões a 30 milhões de libras sudanesas (o equivalente a cerca de 45 a 268 mil reais). Um sobrevivente disse que pagou 24 milhões de libras sudanesas para conseguir se salvar. Outro relatou cenas extremamente terríveis de combatentes atropelando vários prisioneiros com seus veículos.
"Entre 26 e 29 de outubro, recebemos 396 feridos e tratamos mais de 700 pessoas recém-chegadas de El Fasher no centro de emergência do hospital. Os principais ferimentos dos pacientes que estão em tratamento são lesões causadas por armas de fogo, fraturas e outras feridas ligadas a espancamentos e tortura. Alguns têm feridas infectadas ou complicações de procedimentos cirúrgicos já realizados em El Fasher em meio a condições desesperadoras, praticamente sem acesso a suprimentos médicos e medicamentos", relata Livia Tampellini, coordenadora-adjunta de emergências de MSF.
MSF montou um posto de saúde na entrada de Tawila, ao mesmo tempo em que ampliou a oferta de cuidados de emergência, cuidados cirúrgicos e outros serviços médicos no hospital. A maioria dos profissionais sudaneses de MSF em Tawila tem familiares que foram mortos em El Fasher durante a semana. As pessoas deslocadas já presentes na cidade vão ao encontro dos recém-chegados na esperança de reconhecer um rosto familiar entre as pessoas famintas e traumatizadas ou buscar notícias de seus parentes desaparecidos.
"Dado o estado das pessoas que escaparam e chegaram a Tawila, fica evidente que elas precisam urgentemente de cuidados médicos e nutricionais, apoio psicossocial, abrigo, água e assistência humanitária em geral", diz Tampellini. Não há mais tempo a perder para ajudar outros sobreviventes, eles precisam ter permissão para se deslocar para áreas mais seguras e receber assistência vital.



